A vida como valor supremo

A crise pode nos levar a um futuro de mais bem-estar social, igualitário e verde, capaz de voltar a valorizar a vida, mesmo depois do trauma da pandemia do coronavírus.

Este artigo traz como tema o nosso principal bem e razão para tudo: a vida! E que, por incrível que possa parecer, está sendo tratada como algo secundário pelo homem que ocupa o principal cargo no País. Tal comportamento desumano já era previsível, desde a campanha e antes dela. Mas a pandemia de coronavírus nos trouxe a uma realidade ainda mais drástica, explicitadas por frases rasteiras como “todos iremos morrer um dia” ou “e daí?”. Ele não se comove diante da morte nem diante da vida. Um homem dissociado completamente da natureza, que faz questão de agredi-la permanentemente, numa briga em que os humanos sempre vão perder, como afirma a filósofa Viviane Moser em palestra sobre o pensamento de Nietzsche e nosso cotidiano diante do vírus.  Segundo ela, a civilização vive uma crise profunda, mas a vida permanece em sua grandiosidade, intensa e bela. A espécie humana, é parte da natureza, ela é natureza, e não deveria lutar contra si mesma.

Na pandemia de coronavírus estamos perante um homem que relativiza a vida, trata-a como baixas esperadas, e não como existências interrompidas, pessoas, fruto de um processo maravilhoso, tão trabalhosamente construído ao longo de milhões de anos.  Vida que pode ser única num universo sem tamanho, entes da mesma espécie, dotados de consciência do fim e do espetáculo de existir. Sem ela nada mais importa.  Mas o presidente continua com o mesmo empenho do início, trabalhando ao lado do vírus e aliado da economia, numa mistura que funciona mal para os dois lados.

O sociólogo português Boaventura de Souza Santos observa que na extrema-direita tudo caminha como uma fratura entre a economia e a vida, como se não se pudesse defender as duas.  O primeiro-ministro inglês Boris Johnson, uma versão melhorada do presidente brasileiro, foi o primeiro a levantar essa questão e acabou ele próprio contaminado pelo vírus.  Já no Brasil, Bolsonaro, segundo Boaventura, é uma caricatura. Bolsonaro é o último dos negacionistas, a negar conquistas da civilização, como a ciência e a cultura.  E finaliza: os governos de extrema-direita vão sair muito desacreditados, justamente porque demonstraram uma grande insensibilidade em relação à vida humana.

O desprezo pela vida também contamina o mundo do trabalho sob diversas formas de exploração e precarização de muitas atividades. Como por exemplo, as muitas vidas em risco dos motofretistas, sem garantias mínimas da legislação, empregados, comandados por algoritmos que não sabem do risco que correm com o coronavírus. Empresas e estado se distanciam deles, deixa-os ao relento, e às vezes sem máscara de proteção. Assim como outros trabalhadores, como os da agricultura familiar, vítimas de cortes de incentivos, com dificuldades de negociar seus produtos; ou as pessoas pobres em geral, espremidas em ônibus, também com vidas ameaçadas a cada dia.  Neste momento, já não se espera de um governo que é indiferente à vida, um plano nacional para o combate à Covid-19. Ficou em segundo plano, ou terceiro, diante da busca diária pelo autoritarismo, inclusive com ataques à Suprema Corte. Um governo que prega o conflito enquanto o povo de seu país enfrenta uma doença em larga escala, com mais de um milhão de pessoas contaminadas.

Nessa hora de grandes reflexões sobre a pandemia, a vida é sempre levada em conta por pensadores, de vários espectros políticos. Menos pela equipe que governa o País – incluindo a equipe econômica. Para a pensadora norte-americana Camile Paglia, se a economia se desintegrar, haverá o caos. E, segundo ela, o único sistema político que emerge do caos e   governa no caos, é o fascismo. Mesmo num mundo de Bolsonaro, Trump e Orbán, também há gente racionalmente otimista. Um dos maiores estudiosos da história moderna e contemporânea da Europa Central e do Leste, Timoty Ash, em depoimento à revista Época, acha que estamos em uma situação semelhante à do pós-guerra e se pergunta de qual período.  O pós-guerra de 1945, cujo saldo é positivo para a Europa e para a América do Norte, ou o pós-guerra de 1918, da ascensão de Adolf Hitler, Benito Mussolini provocando outra guerra, 20 anos depois? Seu grupo, na Universidade de Oxford conduziu uma pesquisa na Europa em março e uma das conclusões mais extraordinárias é que 71% dos europeus apoiam a renda básica universal. Os que apoiam a imposição de um salário mínimo obrigatório são 84%. Esses dados ajudam a dar uma ideia de que mudanças positivas são possíveis.

A crise pode nos levar a um futuro de mais bem-estar social, igualitário e verde, capaz de voltar a valorizar a vida, mesmo depois do trauma da pandemia do coronavírus. Mesmo neste momento em que a vida passa por tão baixa valorização por quem está no poder. Mas há muitas lutas pela frente. A primeira delas é a volta da vida como valor supremo. Temos acumulado estudos e pesquisas para ganhar a guerra contra a pandemia e a cada dia surgem esperanças de que novos medicamentos e vacinas estão no horizonte. Mas só seguiremos em frente, até mesmo nos desafios pós-pandemia, se tratarmos nossa permanência na Terra como fonte de tudo, do pensamento às palavras, do sonho à ação  – e da capacidade em tratar todas as outras vidas com igual importância e como experiências incomparáveis e transcendente sobre qualquer outro mecanismo do vasto cosmo.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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