A verdadeira polarização no Brasil

A tensão política não é desvinculada da história do país.

A palavra da moda no Brasil é POLARIZAÇÃO. Nos jornais, rádios, redes sociais, nas ruas… Por onde se vá, nos deparamos com esse enunciado. Nem nas aulas de física ou química ouvia-se tanto essa expressão como na atualidade.

Será que os nossos brilhantes analistas políticos descobriram apenas agora que a tal polarização é inerente à uma sociedade dividida em classes sociais como a nossa?

Nunca notaram que a história de todas as sociedades, ao longo do tempo, é a história de lutas de dois campos opostos (homem livre e escravo ou patrício e plebeu ou barão e servo ou burguesia e operários, ou seja, opressores e oprimidos)?

Nunca perceberam que a história do Brasil, desde sua origem, foi alicerçada sobre dois campos antagônicos: Casa Grande e Senzala? Muda-se as relações sociais, mas sua essência permanece: polarizada.

Hoje não é diferente. É a mesma polarização que arrasa a tessitura social brasileira promovendo as maiores concentrações de renda de todo o planeta. É a polarização que arrasta para um lado dezenas de milhões de brasileiros que não têm renda mínima necessária para garantir três refeições diárias, e eleva ao topo uma ínfima parcela de bilionários que têm renda maior que o Produto Interno Bruto de vários países.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2019, 1% dos brasileiros mais ricos concentra 28,3% da renda total do país. O Brasil perde apenas para o Catar em desigualdade de renda, onde 1% mais rico concentra 29% da renda. Essa é a verdadeira polarização existente no país. É ela quem deve ser denunciada e combatida.

E é óbvio que essa polarização social tem seus reflexos na política. O polo endinheirado, dos representantes das maiores fortunas, têm seu(s) candidato(s). Querem aprofundar a plutocracia (que é o poder exercido pelo grupo mais rico). Do outro lado, os milhões de brasileiros que sonham por um representante que, minimamente, os defendam da agenda neoliberal.

Bolsonaro representa o polo das elites. Pode não ser aquele representante de uma elite “cheirosa” (como disse certa feita uma comentarista política, ao se referir ao PSDB), mas defende os seus interesses de classe. Lula, pelo contrário, encarna os interesses da imensa maioria do povo e da nação, ainda que com as limitações de todo líder de uma esquerda fragmentada.

Portanto, não há novidade sobre a polarização social, econômica e política brasileira. Ela é inquestionável. O que deve-se discutir é a natureza dessa polarização. Seu nível de intensidade. A agudização da luta política em curso. Discutir, sobretudo, as garantias dadas pelas instituições democráticas do Estado a fim de que todos os candidatos possam competir democraticamente à cadeira presidencial, sem qualquer tipo de terrorismo ou chantagens.

Nesse sentido, jogar para Lula a responsabilidade de dividir o país em polos antagônicos é mais que desonestidade intelectual ou má-fé. É a própria tentativa de manter a sociedade polarizada entre os que mandam e os que obedecem.

É certo que o porta-voz do polo conservador hoje no poder é da extrema-direita. Um fascista. A despeito de defender a pauta econômica neoliberal, causa asco ao setor mais “civilizado” do conservadorismo brasileiro. Mas quem o colocou na presidência foi justamente essa elite que promove a polarização social e apostou no irresponsável Golpe de 2016. Nada mais justo que ela se abra para a possibilidade de fazer autocrítica.

O estudioso russo da linguagem humana, Mikhail Bakhtin, escreveu que “quando escolhemos as palavras no processo de construção de um enunciado, nem de longe as tomamos sempre do sistema da língua em sua forma neutra, lexicográfica. Costumamos tirá-las de outros enunciados”.

O termo “polarização” em voga no debate político brasileiro é emblemático nesse sentido. Não é neutro. Foi tirado de outros enunciados do pensamento conservador brasileiro para justificar a manutenção de uma sociedade polarizada entre ricos e pobres.

Bakhtin ainda nos lembra que até a palavra “polarização” tem o sentido de polarizar na medida em que “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor” (BAKHTIN, 2004).

Por trás do discurso da polarização há o interesse claro em impedir a retomada de uma agenda desenvolvimentista, progressista e nacionalista, tirando do páreo o candidato mais competitivo desse programa.

A verdadeira polarização existente no Brasil é entre Casa Grande versus Senzala. Manter a disputa apenas entre os Senhores de Engenho é dar a opção aos brasileiros apenas de escolherem entre as formas mais branda ou mais severa de serem açoitados.


Referências:

BAKHTIN, M. (2004). Marxismo e filosofia da linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec.

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