“A Revolução em Paris”: República que surge das ruas

Ao encenar as etapas da Revolução Francesa a partir das ruas, cineasta francês Pierre Schoeller mostra a força popular na reconstrução da França

A revolução popular como um longo, complexo e doloroso processo é o centro da narrativa do cineasta francês Pierre Schoeller (1961), neste “A Revolução em Paris”. O centro de sua narrativa é a Revolução Francesa em suas várias etapas de 05/05/1789 a 09/11/1799. E ao invés de destacar as contestações das lideranças políticas da época e as intervenções dos defensores da Monarquia Absolutista do Rei Luiz XVI (23/08/1754-21/01/1789), ele destaca a participação decisiva dos trabalhadores, incluindo as heroicas camponesas e as trabalhadoras urbanas por 10 anos.

É sob o ponto de vista das camadas populares que sua câmera registra suas carências, ansiedades e aspirações. Enquanto lavam roupa no rio sujo, as lavadeiras entoam o conto satírico: “O Rei vai beber água do rio (sujo!. Em meio à penúria e seus protestos numa estreita rua, outra mulher exclama numa voz sofrida :”Não se faz pão com poeira!”. São sequências dramáticas a situar o/a espectador/a durante a revolta a paralisar Paris o século XVIII. A penúria do povo se vê pelos olhares, as roupas e o modo como toma a si os caminhos da Revolução Francesa.

Ainda que em princípio este épico seja um filme de multidão, Schoeller não deixa de destacar as líderes e os líderes das manifestações populares. São Françoise (Adele Haenal), Margot (Izia Higelim) e Lazowiski (Andrzej Chyara) a canalizar as ações revolucionárias numa antevisão do papel a ser conquistado notadamente por elas nas barricadas montadas nas ruelas e nos protestos nas ruas. E sem dúvida antecipam o Movimento Feminista do Século XX. Nada as impede de pôr em risco sua existência em muitas manifestações devido a exploração e a miséria em que vivem no reinado absolutista do Rei Luiz XVI.

Schoeller não perde o real fio histórico

Ao centrar em ambas o emergir de novas ideias e engajamento, Schoeller mostra o papel da mulher na crucial cena política da França. Sua construção da mulher no século XVIII é mesclada às suas conquistas ao longo de duas décadas. Há parâmetros para equipará-las às sucessoras deste Terceiro Milênio. Margot além de revolucionária também é mãe. Sua mutação e o engajamento são resultados da evolução do processo político-social em seu país. Se há três séculos, elas queriam pão e liberdade, neste Terceiro Milênio ainda lutam para terem seus salários e o acesso aos altos cargos nas empresas e repartições públicas equiparados aos dos homens.

Mesmo com estas construções dramáticas, Schoeller não perde o fio histórico da Revolução Francesa. Em várias sequências ele registra o intenso debate no Parlamento francês em Paris, enquanto o centro do poder monárquico absolutista estava em Versalhes. Era de onde o isolado Luiz XVI (Laurent Lafitte)) controlava as intervenções de seus representantes no Parlamento. Eles se manifestavam contra as posições dos republicanos defendendo a Monarquia Absolutista, sem a sustentação popular. As galerias lotadas de gente do povo, em sua maioria mulheres, a defenderem a Revolução Republicana, bem o confirmavam.

Como a proposta narrativa de Schoeller não é trazer ao primeiro plano lideranças históricas da Revolução Francesa, elas se mostram mais como símbolos de uma época. Assim é com Maximillien Robespierre (Louis Garrel)/(1758-1794), líder dos Jacobinos, Georges Jacques Danton (1759/1794) e Jean-Paul Marat (Denis Lavant)/(1743/1793). Desta forma, Shoeller mostra a destacada participação delas na Revolução Francesa contra o agonizante Absolutismo Monárquico. Principalmente Marat incisivo em suas intervenções perante as galerias lotadas pelos populares pró-República Francesa.

Luiz XVI é o rei já enfraquecido

O Rei Luiz XVI que vive de um castelo ao outro de Versalhes e Paris. Schoeller estrutura-o como o monarca enfraquecido. Perambula pelos corredores atarantado, já sem a mesma pompa. Depende de seus membros no Parlamento e notadamente da guarda palaciana e do exército monárquico. Usa a violência para massacrar os revolucionários sem avaliar o que representa o acúmulo de centenas de corpos largados nos campos de batalha. Muitos deles são de corajosas mulheres revolucionárias. Há entre elas muitas jovens a acreditar na futura República Francesa.

Schoeller, roteirista e diretor, dota cada sequência deste “A Revolução em Paris” de extremo realismo. Inclusive com a lapidar frase de Marat: “Não é a história que nos faz, somos nós quem fazemos a história”. São as mulheres as mais empenhadas em ver o sanguinário Luiz XVI perder literalmente a cabeça. Não é uma metáfora é o principal motivo de derrotá-lo ao seu modo. Entretanto, trata-se da vingança transformada em espetáculo popular. Lágrima alguma é derramada. Este é, enfim, o temor de qualquer monarca absolutista ou o sanguinário ditador do III Milênio. Não é só a queda do poder, é seu fim terreno e seus crimes punidos.

O interessante nesta abordagem é Schoeller não se fixar no símbolo maior da Revolução Francesa. A queda da Bastilha, a penitenciária aonde eram confinados os criminosos e os revolucionários republicanos. Percebe-se a dualidade: o cadafalso simbolizava a pena máxima para o monarca ou o tirano, enquanto a Bastilha significava o despertar dos oprimidos e a construção do sistema republicano. Enfim eis o que decretou a superação da Monarquia e, portanto, do sistema monárquico. Mesmo que ainda persista em camuflar-se em monarquia parlamentarista.

Votação alternada por região leva ao suspense

Outro acerto da abordagem de Schoeller é não individualizar as lideranças, deixando a revolta popular em primeiro plano. A Revolução como ele a configurou é tarefa para milhares, quando não milhões. No estilo hollywoodiano de contar histórias através de imagens há sempre o herói a concentrar as atenções do espectador. E cria através dele a ideia de que há sempre necessidade de haver o líder a travar uma história pessoal. Muitas vezes em meio a paixão pela mocinha modelo de virtude. O cinema, como no filme do cineasta polonês Andrzej Vajda (1926/2016), “Danton, o processo da Revolução (1983)”, dá a ideia de que a liderança da Revolução Francesa coube acima de tudo à clarividência de Georges Jacques Danton (1759/1794).

O espectador atento notará que Schoeller não foge de algumas linhas mestras do cinema espetáculo, iguais à relação amorosa de Margot/Lazowiski (Andrzej Chyra) em meio aos combates contra os soldados do monarca Luiz XVI. Mescla suspense e o gelar do espectador por envolver ainda uma criança. É o mesmo nas sequências finais quando a multidão, principalmente as mulheres, se veem diante da esperada vingança por ter lutado por dez anos contra o tirano e ele agora está em suas mãos. A liberdade e a vingança caminham juntas quando o poder muda de comando e há contas sem fim para serem liquidadas. A menos que haja alguma tendência à renúncia do poder cessante, uma raridade ainda hoje.

Outra longa e eficiente sequência dramática a fazer tremer os alicerces do Palácio Real é o alternar de lideranças a votar no Parlamento. A cada voto, o espectador espera a conquista da maioria. Impõe-se o suspense, o despertar para a possibilidade de a revolução estar chegando ao fim após 10 anos de confronto direto, cárcere e execuções dos revolucionários e o temor de Luiz XVI pôr fim à Revolução Republicana. São recursos narrativos construídos por Schoeller à sua maneira a mostrar sua validade numa superprodução à francesa. Entretanto, não envolve sequer um dos personagens que concentram a atenção do espectador.

Schoeller mostra o Rei Luiz XVI como perdedor

Não se deve esquecer o correto método usado por Schoeller na construção da trama e das três subtramas. I – Não perder o tema central, ou seja, manter os trabalhadores/ras como os principais agentes revolucionários-republicanos; II – Mostrar o Rei Luiz XVI como perdedor desde as primeiras sequências, III – Destacar o papel do Parlamento na Revolução Francesa. Ele não emite ordens reais, não se reúne com seus ministros e lideranças no Parlamento. Tornou-se prisioneiro dos revolucionários, porquanto o processo da revolução, por ser duradouro, exigem dele uma energia e apoio bastante para enfrentá-los e não os tem.

As variações dos centros narrativos não são os mesmos dos destaques dramáticos. I – as ações das trabalhadoras revolucionárias: II – As intervenções e propostas dos parlamentares e lideranças republicanas no Parlamento lotados de trabalhadoras/res; III – A tensão e o encurralamento do Rei Luiz XVI em seus castelos em Versalhes e Paris; – V – Os confrontos entre os revolucionários/rias nas ruelas e em campo aberto. As escolhas do diretor de fotografia, Julien Hisrsch na utilização das sombras e das cores fortes reforçam as opções de Schoeller. Isto se vê nos enquadramentos e no ritmo da ação a provocar ansiedade e medo nos espectadores. Estes muitas vezes se fixam apenas no particular.

Esta multiplicidade de técnicas narrativas atestam a inteligência e a criatividade do cineasta francês para o filme-histórico. No mais, o espectador acostumado a personagens principais e secundários estranha, pois fica difícil encontrar em qual ou quais deles se apoiar para ver-se às voltas com seus dramas. Este “A Revolução em Paris” leva-o a se identificar apenas com sua causa. É o oprimido se esmerando para não ser trucidado e seus sonhos esboroarem nas armadilhas do Tirano. Deste modo lhe resta a histórica lição de que cinema não é só espetáculo. Ajuda a refletir sobre os impasses políticos da atualidade no Brasil e no Planeta.

A Revolução em Paris” (Le Peuple et Som Roi”. Drama. Épico-Histórico. França. 2018. 121 minutos. Trilha Sonora:Philipe Schoeller. Montagem: Laurence Vriaud. Fotografia: Julien Hirsch. Roteiro/direção: Pierre Schoeller. Elenco: Adele Heanel, Isia Higelim, Andrej Chyra, Laurent Lafitte, Olivier Gourmett, Louis Garrel, Denis Lavant.

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