A ressurreição constitucional de Deus

A “primeira lei” a viger no que seria o Brasil, o Regimento de Almerim, de 1548, dizia que a o povoamento da nova terra iria garantir “a conversão do gentil à fé católica”. A primeira Constituição

Nos anos 20, em especial com a presidência de Artur Bernardes, houve uma certa reaproximação entre a Igreja Católica e o Estado. Na década seguinte, Getúlio Vargas buscou o apoio do alto clero. Inaugurou a estátua do Corcovado com o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Sebastião Leme, representando o Vaticano. Em 32 eclodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista, alegando que Getúlio Vargas governava sem uma Constituição.
Por esse e outros fatores, a Constituinte foi convocada e funcionou de novembro de 1933 a julho de 1934. Muito influenciada pela Constituição alemã, recebeu o apelido de "polaca". Teve pequena participação das lideranças tenentistas, que queriam aprofundar mudanças de caráter democrático no país. A Igreja Católica, enquanto instituição e através de parlamentares que se identificavam com seu ideário, organizados na Liga Eleitoral Católica, buscava maior intervenção na vida política do país. Os grupos oligárquicos queriam garantir aos seus estados um papel de relevo.
Foi “pondo a nossa confiança em Deus” que os autores elaboraram a Constituição finalizada em 16 de julho de 1934. Mas a vitória da hierarquia clerical não foi acachapante, como era na primeira Constituição. O Art. 17 desta terceira Carta veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios ”II – estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos; III – ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo”. O Art. 113, § 1 determina: “Não haverá privilégios, nem distinções, por (…) crenças religiosas ou idéias políticas.” O § 4: “Por motivo de convicções filosófica, políticas ou religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos…”. O § 5: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil”. O § 6: “Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais, sem ônus para os cofres públicos, nem constrangimento ou coação dos assistidos. Nas expedições militares a assistência religiosa só poderá ser exercida por sacerdotes brasileiros natos”. E o § 7 garante que nos cemitérios será “livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes. As associações religiosas poderão manter cemitérios particulares, sujeitos, porém, à fiscalização das autoridades competentes. É lhes proibida a recusa de sepultura onde não houver cemitério secular”.
Por pressão da bancada católica, foi incluído um capítulo exclusivo sobre a família. Entre outras conquistas, a Igreja obteve a oficialização do casamento religioso. O Art.146 considera que o casamento “perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil”.
O Art. 153 reza que é facultativa a freqüência ao ensino religioso, “ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais”.  
A “polaca” teve curta duração. Em 10 de novembro de 1937 Getúlio, à frente do Estado Novo, outorga nova Constituição, atendendo “ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista”, dentre outros alegados fatores que abrem o novo texto da lei máxima.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor