A racionalização do Estado

Com objetivo de impedir mais revoltas anarquistas e comunistas, no meio do século 19, as novas repúblicas nacionais combateram as massas com violência, pretendendo ao mesmo tempo manter o controle, enquanto gradativamente liberaram medidas paliativas, ampliando ilusoriamente o regime democrático, impedindo o avanço político da sociedade civil.

Porém, com a ampliação das trocas, circulação de bens ativos e informação entre os povos, contribuíram para a reação dos grupos sociais. Fenômeno que ocorreu através da política com origem nas agremiações locais, sindicatos, comitês eleitorais e partidos de base, que se desenvolveram a ponto de submeter comunidades, grupos étnicos e regionais, e os próprios governos ao risco de revoluções, ataques e pesadas oposições.

Diante de inimigos internos e externos, governantes se viram diante da necessidade de desenvolvimento de técnicas administrativas e formas de organização racional do Estado que ainda engatinhavam diante dos fenômenos políticos.

Com os poderes instituídos, ocorreram novas definições dos papéis dos governantes, renovando estabilidade para as oligarquias, antes ameaçadas pelas revoluções. As elites, não mais em evidência, ao atribuírem seus poderes aos Estados, voltam a governar em silêncio e sem medo de “guilhotinas”, pois o novo sistema permite a ilusão de que não governam.

Essa transferência ocorreu através do desenvolvimento de esquemas de dominação racional pelo campo burocrático a serviço dessas elites, em especial, a partir: do avanço das forcas produtivas, econômicas e da ciência; da divisão de poderes e especialização das atividades burocráticas; do condicionamento da igreja; do avanço do militarismo dentro das forças armadas, doutrinadas pela “religião” positivista de Comte. Fenômenos que forjaram uma filosofia de subalternidade racional, não mais aos Reis “divindades” com “legitimidade” dos céus, mas do condicionamento, “fé cega” nas ordens do Estado administrativo, que resulta na sociedade eminentemente técnica (Benjamin), portanto, apresentando-se como “impessoal”.

Para este fim, o de vigilância, foram concebidas as pesadas máquinas estatais que desenvolveram os aparelhos de controle social, enquanto, no campo social, ainda existia pouco – ou nenhum – reconhecimento dos direitos sociais. Esta desigualdade entre as forças das antigas repúblicas e a sociedade proporcionou o ambiente de violência que ascendeu nos dois séculos anteriores a este.

Com as ideias do pragmatismo de William James, e da racionalização da burocracia através de Weber, ocorreu forte avanço dos Estados, desenvolvendo ou aprimorando o aparelho administrativo (governo, forças armadas, funcionalismo público), que dão legitimidade através da execução das funções, que controlariam as nações.

Weber definiu a moderna acepção do Estado como a estrutura ou o agrupamento político que detém, ou reivindica, o legítimo monopólio do uso dos constrangimentos e da força (inclusive coerção física), sendo este seu principal meio de manutenção do poder e da ordem.

À essa característica do Estado, somam-se outras, como a racionalização do direito, definições de atribuições distintas entre poderes legislativo, judiciário e executivo, criação da segurança e ordem pública, e regulamentos que permitem controle sobre todos os serviços públicos como: educação, saúde, obras, economia, saneamento, energias e até mesmo a cultura.

Ainda segundo Weber, no Estado (em um tipo ideal), a burocracia no poder teria como atributos a impessoalidade, concentração dos meios de administração, sistema de autoridade (o que não ocorre como divulgado). Ficando o Estado responsável pela arrecadação de tributos, definição de todo tipo de normas, atribuições, esferas de competência, efetividade, critérios de seleção de funcionários, controle social, serviço de identificação dos cidadãos etc.

Paralelamente a essa especialização do papel do Estado, foram reconhecidos em outras esferas da sociologia, economia e política as formas de avanço do controle social, conforme Mosca e Pareto, ao demonstrarem a divisão social entre a população e as oligarquias, e o reconhecimento que no Estado Moderno o avanço da organização burocrática, segundo Michels, levaria a existência de elites no poder. Em paralelo às teorias das elites, Lênin apresentou o papel do partido popular de massas, e de como funcionaria uma nação governada pelo proletariado.

Entre as teorias e a ação de grupos políticos, a consolidação dos Estados racionais, ao contrário do que reivindicavam os movimentos sociais, em prol da democracia, não resultou em ampliação das decisões populares. Isso porque, ao se aproximarem da sociedade, graças ao sistema eleitoral, e o controle das políticas públicas e identificação do cidadão, tais medidas permitem ainda maior distanciamento das elites que estão no controle, o chamado ponto cego na democracia.

A organização dos Estados no começo do século 20 acabou por gerar máquinas cada vez mais controladoras, independente aos blocos serem comunistas, fascistas ou capitalistas. Essa máquina se torna o aparelho repressor por excelência, instaurando seu poder sobre a humanidade, na medida em que todos os Estados modernos adotam a racionalização da burocracia, como sistema de organização e controle. Ainda que se afirme serem fundadas em benefício da população, são, acima de tudo, instrumentos totalitários equivalentes àqueles descritos na literatura de ficção, distopias políticas que expressam o poder do discurso mestre (Lacan).

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