A pós-verdade Bolzonazista

CENA 1 – Programa Roda Viva desta segunda (30/07), com o candidato do PSL à presidência. Jornalista pergunta ao entrevistado:

“- Deputado, sobre o tema da saúde, qual sua proposta para reduzir a mortalidade infantil?

– Tem que desburocratizar, hoje em dia é difícil empreender no Brasil! Quem em sã consciência quer ser patrão no Brasil?

– Mas Deputado, eu estou falando sobre saúde, saúde pública….

-Eu também!”

Parece o texto de um programa humorístico, ou uma peça de teatro do absurdo, mas trata-se de recurso de retórica recorrente no discurso do ex-capitão, que hoje teria vaga garantida no segundo turno das eleições presidenciais: ele responde o que quer, independente da pergunta. Seria cômico, se não fosse trágico.

Seu livro de cabeceira? A obra literária do torturador Brilhante Ustra. Mede o peso dos quilombolas em arrobas. Considera que os crimes cometidos pelo Estado durante a Ditadura Militar são coisa que “já passou”. Se por um lado suas declarações disparatadas despertam reações indignadas e de repulsa, há também quem vibre e se divirta com as bobagens do “mito”. Para estes, a bancada do Roda Viva, O Globo e a Folha de São Paulo tem um preconceito “esquerdista” contra o seu candidato. É a pós verdade entrando em cena na política nacional.

Conquistas sociais e agendas civilizatórias, como o direito à união civil de casais homoafetivos, as cotas raciais nas universidades, o ensino de história e cultura africanas nas escolas e universidades, não só são atacadas no discurso do pré-candidato, como o combate a estas pautas é de certa forma o centro da agenda Bolsonazista. Em sua pós – verdade delirante, aposta na polarização das posições, aprofundando preconceitos e estereótipos. Sem nenhuma pretensão de unir ou mediar, o capitão-candidato joga pra dividir e acirrar ainda mais estas diferenças.

Mas suaviza cada vez mais seu discurso para o capital e o mercado financeiro. Busca apaziguar os temores quanto a implementação de uma política econômica de corte nacionalista e de fortalecimento do Estado, algo que se poderia esperar de seu eventual governo, considerando o apelo destas posições nas forças armadas. O ex-capitão terceirizou seu programa econômico para Paulo Guedes, a quem chama de “Posto Ipiranga”. Guedes é um economista liberal e ex-banqueiro, que defende propostas como a privatização dos Correios e de setores estratégicos controlados pela Petrobras. Seu papel na campanha é tornar o candidato mais palatável aos humores do mercado. É o rentismo flertando com o fascismo.

A dislexia do ex-capitão é friamente calculada. Responde o que quer, enrola, agride, mente, inventa coisas, é cínico. Mas essa performance gera grande visibilidade e desperta iras e paixões. Para muitos, um vilão. Para outros tantos, um herói. Para seus seguidores, vítima de perseguição. Ingredientes que, reunidos em uma trama político-novelesca, criaram um campeão de audiência.

Após o Roda Viva com o inominável, começou na TV Cultura o Café Filosófico, com um programa especial sobre a obra-prima de Hannah Arendt: A Banalidade do Mal. Mais apropriado, impossível. Os milhões de seguidores que se divertem com os memes e tiradas bizarras do “mito”, se virarem votos, garantem uma vaga no segundo turno. Seu eleitorado é fiel, consolidado, tá fora da nossa bolha e a maior parte não assiste Roda Viva. No segundo, acredito que perde pra qualquer um, na verdade pra ele mesmo. Mas rouba uma vaga na decisão. A outra vaga talvez seja disputada entre Alckmin, o candidato do Lula, Ciro e Marina, em uma espécie de roleta russa eleitoral.

A seguir, cenas dos próximos capítulos!

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