A luta ideológica na construção de políticas públicas em educação

Os estudos de política educacional tendem a tomar três formas: a de desenvolvimento de modelos analíticos através dos quais as políticas podem ser analisadas e interpretadas; a análise de um conjunto de questões relacionadas às políticas; e a análise crítica de políticas específicas. No Brasil, a pesquisa sobre políticas educacionais vem se configurando como um campo distinto de investigação em educação e vem buscando sua consolidação.

Quem, além de estudar, atua concretamente no espaço político a fim de tornar possível a construção de políticas públicas, através do acompanhamento desde sua concepção até a forma que vão tomando na medida em que a tramitação se desenvolve, tem a possibilidade de, além de buscar desvelar os modelos analíticos que podem tornar as polícias públicas em educação compreendidas, ter o olhar privilegiado de observar na prática como os diferentes grupos políticos e ideológicos atuam para tornar dominantes os seus interesses e concepções; ou seja, é capaz de fazer a análise crítica de políticas específicas.

Ter a oportunidade de acompanhar de perto o posicionamento ideológico em ação coloca o pesquisador num locus privilegiado, mas nem sempre valorizado pela academia, a qual, impregnada pelo discurso que desassocia a teoria da prática, tem ficado alheia aos acontecimentos concretos da política em geral e educacional em particular.

Nos momentos de tramitação de leis de Estado na educação, as correntes, além da ação concreta no Parlamento através de vários instrumentos de intervenção, desenvolvem os argumentos que sustentam sua visão de sociedade e de educação.

Os liberais, hoje neoliberais, colocam-se contra a universalização da educação pública e gratuita em todos os níveis e fazem isso alicerçados no argumento de que a universalização da educação a torna incompetente.

A universalização do acesso para todos de forma igual, é, segundo eles, antinatural na medida em que premia igualmente perdedores e ganhadores. Para eles, a gratuidade é um outro fator que desvaloriza a educação oferecida pela rede pública no Brasil, uma vez que, por ser gratuita, impede igualmente a concorrência, que deveria ser incentivada como fator salutar para a melhoria da qualidade.

Segundo os liberais, o Estado deveria oferecer uma bolsa aos pais ou responsáveis e estes buscariam a escola que melhor atendesse os seus filhos; assim, as escolas procurariam ser atraentes para esses pais e, portanto, estariam impulsionadas a melhorar a sua qualidade.
Portanto, a universalização e a defesa da escola pública e gratuita é, nessa ótica dos liberais, a defesa da escola incompetente, uma vez que a “livre concorrência” seria lei natural que movimenta a sociedade e o desenvolvimento dos homens e também lei que deveria impulsionar a educação e a escola.

Para eles, o Estado, sendo incompetente para administrar (uma vez que, no campo dos direitos, ele tende a se tornar paternalista e corporativista), deveria se retirar do campo da educação, deixando a tarefa administrativa e de gestão para o setor privado, o qual possui concepção de gestão empresarial e competente da escola pública. Somente assim esta melhoraria sua qualidade, deixando de ser gratuita para ser competitiva, e funcionaria através de bolsas provenientes do Estado, que não mais se preocuparia com a carreira docente, a infraestrutura etc.

Por esses motivos os liberais são privatistas: porque defendem a educação privada e a privatização da educação pública. Juntam-se, pois, aos interesses dos empresários de educação e ao capital financeiro que atuam na educação brasileira. Nas batalhas de construção das políticas públicas, juntam-se também aos que defendem a gestão privada da escola pública e a consolidação permanente da relação público-privada, colocando nas mãos da rede privada a responsabilidade social de oferecer educação. Esse grupo não defende a associação público-privada como emergencial, uma vez que o setor público tem ainda dificuldades para assumir a demanda educacional, mas sim como permanente, alegando ser mais competente e mais econômico para o Estado. Uma nova forma de defesa dos interesses privados na educação e que atua contra a consolidação de um Sistema Nacional Público de educação para todos (as) no Brasil..

Já se fala no parlamento da criação de um “ProUni” para a educação básica e também reiteradamente da criação dos Voucher para a educação pública.

Para esses grupos, a avaliação da competência deve servir como motor de desenvolvimento da educação e, ao mesmo tempo, impulsionar a concorrência entre as escolas. Por esse motivo defendem a meritocracia como forma de impulsionar a educação, premiando os professores que atuam nas instituições cujos índices do Ideb aumentaram e punindo as escolas e os professores que apresentam maiores dificuldades.

No PNE, que aguarda a sanção presidencial, tais grupos foram vitoriosos ao incluírem a estratégia 7.36, a qual condiciona o repasse de verbas para as escolas púbicas à nota que cada uma delas obteve no Ideb. E o que é pior: a estratégia também orienta a política de bonificação do magistério pelas notas dos estudantes no Ideb, sem levar em consideração as desigualdades dos sistemas educacionais e os diferentes condicionadores da qualidade da educação, que não pode ser avaliada de forma tão simplista e, além disso, por um índice estatístico que em nada melhora a educação e a qualidade da escola.

A política de universalização só pode dar certo se for acompanhada por mudanças positivas e concretas na escola, melhorando o contrato dos professores e seus salários para que possam se dedicar a uma única instituição de ensino, diminuindo o número de alunos por professor e tornando a escola e o currículo mais atraentes, através da autonomia escolar e do fortalecimento da elaboração de projetos políticos pedagógicos que contem com a participação democrática e efetiva de todos.

Não serão a privatização da escola púbica ou a meritocracia que melhorarão a qualidade da escola. O modelo chileno de privatização está aí para provar isso.

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