A Grande Depressão, segundo Galbraith

Principiar uma coluna com a observação de que “correu muita tinta”, para afirmar que o assunto foi cuidadosamente examinado na imprensa, não se harmoniza com o que se escreveu até agora sobre a Grande Crise dos anos trinta nos Estados Unidos. Não sou

O trabalho desse autor, muito conhecido entre nós, não se refere a esta esdrúxula dicotomia entre capitalismo real e  capitalismo poluído que adquiriu  entre nós um consenso, ou frustrada tentativa de expor as características do real, enovelando-o com supostos fantasmas de papel.


 


 


Galbraith é incisivo ao indagar sobre o naufrágio da economia norte-americana, demonstrando sua incerteza quanto às causas que a desencadearam naquele momento, p.255 “ Não sabemos por que motivo ocorreu uma grande orgia especulativa em 1928 e 1929. A explicação há muito aceita de que o crédito era fácil e, deste modo, as pessoas eram induzidas a contrair empréstimos para comprar ações com margem, não tem, como é óbvio, qualquer sentido. Tanto antes desse período como depois, houve numerosas ocasiões em que o crédito era fácil de obter, e, contudo, esse fato não deu origem  a qualquer especulação. Além disso, muita da especulação de 1928 e 1929 fez com dinheiro emprestado a taxas de juro que sempre têm sido consideradas excepcionalmente severas. Pelos padrões atuais  (refere-se à década de 50), pode afirmar-se que  não havia escassez de dinheiro nos últimos anos da década de 20.”


 


 


A especulação com imóveis, sobretudo terrenos (anunciava-se praias que estavam  a 10 ou mais quilômetros da orla marítima)   foi intensa, como demonstra Galbraith no texto mencionado, mas não desencadeariam a  depressão se a economia como um todo não estivesse sob pressão.


 


 


Mais adiante, pg. 265, pondera Galbraith: ”Parece suscitar poucas dúvidas a afirmação de que, em 1929 ao contrário do que assevera uma célebre frase feita, a economia assentava em bases fundamentalmente pouco firmes”.   A afirmação do autor não distingue entre os fenômenos especulativos e a atividade econômica examinada como um todo. Expor a fragilidade da economia norte-americana era a tarefa a que se propôs Gailbrath, expondo o que reputava os cinco pontos desta economia, a saber: a) a má distribuição dos rendimentos, ou seja, , em 1929 , os ricos eram, indubitavelmente ricos, os rendimentos de 5% com os mais altos  rendimentos, nesse ano, recebiam aproximadamente um terço do rendimento pessoal global:” A grande desigualdade na distribuição dos rendimentos significava que a economia se encontrava dependente de um alto nível de investimentos ou de um alto nível de despesas de consumo luxuosas….Tanto as despesas em bens de investimentos como em artigos de luxo são inegavelmente sujeitas a influências  mais erráticas e  a flutuações  maiores do que as despesas   em pão e na renda de casa de um trabalhador com um salário de 25 dólares por semana;b) A deficiente estrutura das empresas: O fato, acrescenta Galbraith, é que a empresa americana dos anos 20 tinha aberto os seus braços hospitaleiros a um número excepcional de promotores, trapaceiros, burlões e impostores; c) a deficiente estrutura bancária. A fraqueza, acrescenta G. , estava implícita , (alem de fatores éticos) no grande números de unidades independentes, pois, quando um banco falia, as disponibilidades dos outros  eram congeladas enquanto, por outro lado, os depositantes eram induzidos a reclamar seu dinheiro, dessa forma, uma falência levava a outras , e estas surgiam como a queda das pedras de um dominó; d)a situação duvidosa da balança externa. Ocorreu uma queda  precipitada nas exportações americanas,contribuindo para o mal – estar geral e teve efeitos particularmente duros para os agricultores ; d) o triste estado da compreensão econômica.É quase certo , diz G, que os economistas e aqueles que davam pareceres econômicos nos últimos anos de 20 e nos primeiros anos de 30, estavam dotados de uma perversidade quase única. Nos meses e anos que se seguiram ao colapso do mercado de ações, a maioria dos pareceres mais importantes sobre economia era quase invariavelmente favoráveis  à tomada de medidas que tornariam as coisas piores.


 


 


A brevíssima síntese  do extenso e instigante livro de John Kenneth Galbraith, é uma temeridade, valendo apenas  como recomendação para uma leitura sempre proveitosa, principalmente neste momento em que semelhanças podem ser extraídas  para reflexão do que está ocorrendo. 


 


 


A lição de que a economia norte-americana já estava em crise, econômica, de realização e de confiança, espanta a tese de que tudo começou no setor irreal  dos papéis contaminados das hipotecas e seus penduricalhos denominados derivativos. O conceito de economia real não está desamparado na fértil imaginação dos economistas, mas nem entre eles é um derivativo para a economia virtual.


 


 


A derrapagem do setor automotivo norte-americano, o mais emblemático  do desenvolvimento industrial dos EUA  há muito, sabe-se agora com rigorosa certeza, já estava em queda acentuada. Os seus produtos, quer pela concorrência, quer pela redução do poder aquisitivo, não encontravam mais saída adequada à dimensão das empresas. Na curiosa expressão dos nossos jornalistas, pertencem hoje à coleção de dinossauros, a exemplo das financeiras e de alguns bancos que mal se sustêm, a despeito do generoso dispêndio dos recursos do contribuinte americano. Se há um setor que se pode  batizar de real  é sem dúvida, o mundo de Malboro, ou de Detroit.  


 


 


 


O denominado ovo da serpente ainda não encontrou, pelo que li no imprensa, consternada pelo tropeço inesperado , o seu Colombo. Por enquanto volteiam todos, ou quase todos, incapazes de se debruçar sobre o nó desta crise e sua teoria. Vamos aos poucos, pois tempo vai sobejar, caminhando pelas trilhas que nos são abertas pelos estudiosos do porte de Galbraith e pelos clássicos do pensamento dos autores que nunca desprezaram a contribuição decisiva de Marx para desvendar a natureza do capitalismo e seus percalços, percalços  que assombram a todos, mas atingem inapelavelmente os que não logram desvencilhar-se do salário, a escravidão do salário (Lohnsklaverei).

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