A filha que viveu antes da mãe

Enquanto os altos escalões religiosos ainda debatem se a evolução das espécies exclui o homem – que já teria surgido pronto e acabado, à imagem e semelhança de seu criador –, a ciência avança na descoberta de novos fósseis que podem remontar a história

Pesquisadores liderados pelo paleantropologista etíope Zeresenay Alemseged encontraram possivelmente o mais completo fóssil de ancenstral dos seres humanos: um bebê da mesma espécie que o fóssil “Lucy”, encontrado em 1974. Com traços humanos abaixo da cintura e de símio. Lucy e o bebê, que datam a ligeiramente mais de três milhões anos, são de longe os membros conhecidos mais velhos da família humana
Lucy tida como o fóssil mais completo de uma espécie na filial humana da árvore evolucionária. O conjunto de ossos do bebê, encontrado, como Lucy, no deserto da etiópia, é também de uma fêmea, e viveu há aproximadamente 3,3 milhões de anos – 100 milhões de anos antes de Lucy. Mesmo sendo anterior à fêmea adulta, foi apelidado “Bebê de Lucy”. O fóssil está em condição que os cientistas consideram esplêndida, podendo trazer indícios adicionais às origens humanas.
Antes de encontrar Lucy, muitos pesquisadores supuseram que nos nossos antepassados primeiro evoluiu a inteligência e só mais tarde a capacidade de andar verticalmente. Mas os ossos de Lucy sugeriram que ela tinha habilidade para o caminhar ereto, mas o cérebro ainda era pequeno, como o do macaco. Isto reviveu uma noção proposta por Charles Darwin: a de que o movimento ereto favoreceu a evolução do cérebro, livrando as mãos para o uso de ferramenta. O sucesso na batalha para a sobrevivência dependeria do uso sempre melhorado da ferramenta, o que seria propiciado pelo desenvolvimento do cérebro. O pensador alemão Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo moderno, chegou a escrever um texto sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem, justamente inferindo a importância da liberação dos membros superiores e a formação da mão para a construção de ferramentas.
Como Lucy, a criança recém-encontrada mostra características de uma espécie capaz de andar verticalmente e oferece também mais pistas para o conhecimento da história da evolução dessa e de outras habilidades, como o desenvolvimento do cérebro e da fala. Trata-se de uma “mina da informação sobre um estágio crucial na história evolucionária humana,” escreveu o paleobiologista Bernard Wood, da Universidade George Washington.
Os cientistas estimaram que o infante morreu aos 3 anos de idade, possivelmente soterrado junto com seixos e areia, que possibilitaram a sua preservação, em decorrência de uma inundação.
Mas Lucy e o bebê distinguem-se do Sahelanthropus tchadensis, um hominídeo que viveu há 7 milhões de anos, cujo fóssil foi encontrado na África central, 4 anos atrás. Eles pertencem a uma espécie anterior, a Australopithecus afarensis, e integrariam uma explosão da diversidade hominídea observada nos registros de fósseis datados de 4 milhões a 2 milhões de anos.
Isto reflete a rica variação evolucionária pela qual a natureza passou para produzir a nossa espécie, Homo sapiens. Hominídeos desse período são chamados coletivamente Australopiths. Ainda é desconhecido qual dessas linhagens acabou resultando nos atuais humanos.
Diferentemente de Lucy (o apelido foi dado devido à canção Lucy in the Sky with Diamonds, dos Beatles, que tocava no rádio no momento em que o fóssil foi encontrado), o bebê tem dedos, um pé e um torso. As estruturas dos dentes indicaram a sua idade e seu sexo e os sedimentos que o tinham prendido revelaram o período em que viveu.
O fóssil pode ajudar a entender como o Australopithecus afarensis se situa na evolução da espécie. Zeresenay diz que suas lâminas do ombro se assemelham à de um gorila novo, sugerindo que o afarensis poderia escalar árvores, mas seu osso do perna é angular como o dos seres humanos, indicando a habilidade de caminhar ereto.
O molde do cérebro ajudará a revelar “se nos nossos antepassados mais adiantados os cérebros cresceram na maneira característica humana,” disse um membro do grupo de pesquisa, Fred Spoor, da Universidade de Londres. Um dos joelhos do humanídeo estava completo. Mas a parte superior do seu corpo, como o de Lucy, tem muitas características do símio: o cérebro pequeno, nariz como o de um chimpanzé, cara que se projeta para frente. Suas duas lâminas completas do ombro são as primeiras encontradas de um Australopithecus. Segundo Zeresenay, analisar sua função “será um dos mais excitantes desafios que nós enfrentaremos”.

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