A China e seus desafios

Depois de uma fase mais fácil de crescimento, a China, agora na fronteira tecnológica, precisa investir pesadamente em inovação e pesquisa para continuar a avançar.

Maior guindaste do mundo é fruto dos alto investimentos da China e tecnologia l Foto: Diário do Povo

Conforme informou o Wall Street Journal (10/02), “O FMI anunciou que havia aumentado a estimativa para a expansão da China este ano em 0,8 ponto percentual, para 5,2%, citando o levantamento mais rápido do que o esperado do país das rígidas restrições da Covid-19 e uma possível recuperação do consumo privado. Dados oficiais chineses colocam o crescimento da China em 3% no ano passado, uma das taxas mais lentas em décadas”. Em compensação, o Fundo rebaixou as previsões de crescimento para os próximos cinco anos. Ressaltando os persistentes desafios econômicos que Pequim enfrenta, apesar de sua recente mudança para um tom mais pró-crescimento, “O FMI agora espera que em cinco anos a China cresça a uma taxa anual de 3,8%, de acordo com sua última avaliação da economia chinesa em sua Revisão do Artigo IV divulgada na sexta-feira, abaixo da projeção de outubro do fundo de 4,6%”.

Ainda segundo o jornal, “O prognóstico mais pessimista do FMI para as perspectivas de médio prazo da China reflete a combinação de um encolhimento da população e o declínio do crescimento da produtividade, ou produção por trabalhador e unidade de capital. O crescimento da produtividade da China diminuiu acentuadamente nos últimos anos. A pesquisa do FMI mostrou que as empresas estatais, ou SOEs, são, em média, apenas 80% tão produtivas quanto as empresas privadas do mesmo setor. No entanto, as empresas estatais estão desempenhando um papel cada vez mais importante na economia da China, com as autoridades recorrendo a elas para garantir o abastecimento durante a pandemia e implementar a iniciativa de autossuficiência tecnológica de Pequim em meio ao aumento das tensões com o Ocidente liderado pelos EUA”

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Na mesma linha, um outro artigo publicado pela Dow Jones Newswires (ver Valor 13/02), afirma que “A produtividade – o PIB por trabalhador – [na China] tem desacelerado também. Ao alcançar a média de ao menos 9% no período pós-acesso à OMC, a expansão da produtividade caiu para cerca de 4,5% nos anos pré-Covid. Assim, se a produtividade se recuperar neste ano, após praticamente não registrar altas em 2021-22, e se o governo conseguir articular outra grande migração da zona rural, avanços de ao menos 6% do PIB serão possíveis. Esse índice é maior em 3 pontos percentuais do que analistas estão prevendo, mas essa alta acrescentaria menos que 0,5 ponto percentual ao crescimento do PIB mundial”.

Subjacente a essas avaliações, há a constatação óbvia de que depois de ter colhido os frutos nos galhos mais baixos da árvore, ou seja, desfrutado de uma fase mais fácil de crescimento seguindo o caminho já percorrido pelos países líderes, a China, agora na fronteira tecnológica, precisa investir pesadamente em inovação e pesquisa para continuar a avançar, com resultados nem sempre garantidos. Até mesmo os novos investimentos em infraestrutura tendem a apresentar retornos menores por unidade de capital investida. Tudo isso contribui para que a produtividade total dos fatores possa vir a ser menor, assim como as taxas de crescimento, que tenderiam a se aproximar da média das economias desenvolvidas.

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Há, contudo, um outro fator que tem pesado nas avaliações mais pessimistas feitas por bancos e consultorias ocidentais a respeito do desempenho futuro da economia chinesa. Depois de mais de três décadas de reformas e abertura, iniciadas em 1978, por Deng Xiaoping, quando o peso do setor estatal da economia foi diminuído para dar lugar ao investimento privado, a percepção que se tem agora é de que a China estaria dando um passo atrás e voltando a privilegiar o setor estatal da economia em prejuízo do setor privado e fazendo sentir a mão pesada do estado sobre a economia. Como “prova” desse retorno apontam, por exemplo, algumas medidas recentes visando aumentar a regulação em setores de tecnologia de ponta ligados à Internet. Também argumentam que a nova orientação de “prosperidade compartilhada” proposta por Xi Jinping, que visa diminuir a desigualdade social e combater comportamentos extravagantes de novos ricos, poderia inibir o “espírito animal” dos empreendedores em seu afã para se tornarem ricos.

Foto: Xinhua/Xing Guangli

Certamente a construção de uma economia socialista de mercado com características chinesas, na qual se busca juntar as vantagens de uma economia de mercado de estilo capitalista com os benefícios de uma economia planejada socialista não é um desafio simples para o Partido Comunista da China, mesmo porque não há precedentes exitosos que poderiam ser emulados. Uma economia de mercado ao estilo dos Estados Unidos traz consigo, além do dinamismo, da competição e da destruição criativa, inerentes ao capitalismo em sua fase monopolista, o subproduto tóxico que é o aumento da desigualdade social.

A economia centralmente planejada já mostrou suas virtudes, mas também suas graves limitações para atender às crescentes necessidades de consumo da população. Tirar o que há de melhor das duas é um desafio maior que o de Ulisses ao navegar entre Cila e Caríbdis, desafio esse que, apesar do pessimismo e da torcida contra do Ocidente, a China tem sabido enfrentar de forma exitosa.

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