A Austrália pediu perdão!

A História tem nos ensinado que a experiência humana em matéria de colonização, colonialismo e imperialismo é uma soma de crimes contra a vida e a liberdade, uso força excessiva e ilegítima, saque de riquezas e superexploração mão de obra, mentiras e dese

Dizimaram povos, exotizaram culturas, profanam crenças e valores civilizatórios. Essas agressões foram fundamentais para acumulação primitiva do capital e sua consolidação sob o poder de uma minoria. O ódio imperialista e racista, em última instância, se justifica pela intenção de conquistar de poder e riqueza. De modo que os povos colonizados e escravizados são credores de perdão e reparação em insumos materiais e políticos – conhecimento tecnológico, segurança, infra-estrutura, anulação de dívida, investimento financeiro, etc – do imperialismo ianque, europeu e das burguesias nacionais.


 


O primeiro parágrafo se justifica pelo fato de no dia 13 de fevereiro a Austrália, através do Primeiro Ministro Kevin Rudd, pediu perdão aos seus aborígines. O que leva um governo, cujas ações podem comprometer o destino do Estado a adotar uma posição tão inusitada? É possível supor várias razões como: reconhecimento de erro praticado no passado, retórica eleitoreira, demagogia inspirada na onda do que se estabelece como posicionamento politicamente correto, amadurecimento coletivo do povo ou das lideranças nacionais, busca de reconciliação com o passado. Porém apenas um fundamento justifica: crimes ou erros cometidos deliberadamente, que tenham ocasionado prejuízos objetivos a quem se dirige o pedido de perdão. Estamos diante de um fenômeno histórico complexo, certamente a comunidade mundial que acumulam prejuízos em razão do colonialismo, do imperialismo, do racismo e de outras formas de ódio estão atentas ao desfecho dessa experiência.


 


 


Os aborígines australianos estão estabelecidos no continente há aproximadamente 150 mil anos antes da colonização inglesa, iniciada em 1788, logo após perder sua principal colônia – atual Estados Unidos. Os ingleses acreditavam que um povo civilizatoriamente atrasado – considerava-os remanescentes do período neolítico – não tinha direito sobre a terra. Assim os aborígines sofreram um verdadeiro massacre através das armas e das doenças, o resultado da sucessiva política genocída é que uma população de 21 milhões de homens e mulheres encontrados no século 18, atualmente soma 470 mil pessoas.


 


Uma peculiaridade que chama a atenção na experiência de dominação australiana é que a partir de 1910 a 1970 o Estado empreende uma radical política de branqueamento e aculturação, conhecida como “Geração Roubada”. Consistia em separar com uso da força, crianças e jovens de suas famílias, para serem reeducados segundo princípios eurocêntricos. Os “centros educacionais” e as famílias substitutas priorizavam a recepção das crianças mestiças, essas depois de reeducadas podiam casar apenas com pessoas brancas, para que os traços da raça fossem apagados em duas ou três gerações, assim erradicariam os aborígines da Austrália. Nenhuma família aborígine saiu ilesa das garras do Estado na implantação dessa política. Por isso desde 1997 a Justiça australiana considerou a “Geração Roubada” um empreendimento genocída do Estado. Daí o pronunciamento de Rudd.


 


Desde a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas o debate acerca das reparações vem se consolidando entre os países africanos e entre os países vitimados pelo colonialismo. Ao mesmo tempo cresce a convicção no interior dos movimentos anti-racistas, em âmbito mundial, de que essa deve ser a pauta do debate com as potências imperialistas e as elites beneficiárias do racismo. As batalhas junto aos organismos multilaterais para classificar o colonialismo e o tráfico transatlântico como crimes de lesa humanidade tem entre seus objetivos atribuir responsabilidades e exigir reparação. O pedido de perdão de um Estado pressupõe aceitação de responsabilidade, por isso muitos olhos hoje se voltam a Austrália.  


 


Rudd disse: ''Como primeiro-ministro da Austrália, peço-lhes perdão. Da parte do Governo da Austrália, peço-lhes perdão. Da parte do Parlamento da Austrália, peço-lhes perdão. E lhes ofereço este pedido de desculpas sem reservas''. Disse mais: ''a partir de hoje a era da negação terminou'' e que “os australianos, quaisquer que sejam suas origens, tenham igualdade de oportunidades e igualdade de participação na formação do próximo capítulo da história deste país''. Trata-se de uma promessa de alto custo, sempre negada pelo povo australiano. Durante o mandato do conservador John Howard o governo australiano rejeitou oferecer uma desculpa oficial, no entanto, foi um dos primeiros governos a se alinhar com Bush na agressão ao Iraque. Foi possível esse resultado em razão da vitória eleitoral dos trabalhistas. Novamente uma lição: o combate ao racismo encontra terreno fértil para seu desenvolvimento aliando-se as forças progressistas e em períodos de maior democracia e avanço das lutas populares. Não houve inocência no uso das palavras, especialistas orientaram o Governo Rudd que a palavra perdão abriria possibilidade de pedidos de indenização pela comunidade aborígine, poderia custar bilhões aos cofres públicos.


 


Enquanto isso nos Estados Unidos, país mais poderoso do mundo, dois incomuns presidenciáveis causam calafrio no ultraconservadorismo teocrático dos republicanos – representantes da corrente de pensamento político mais atrasada contemporaneamente. Uma mulher, outrora traída e humilhada publicamente pelo companheiro, e um homem negro, filho de um africano mulçumano nascido no Quênia, poderão torna-se comandantes supremos da maior potência econômica, bélica, tecnológica do planeta. Os eventos dos EUA e da Austrália decretam o fim do machismo e do racismo? Não, mas vagarosa e silenciosamente o capital vem perdendo dois elementos fundamentais de segregação e marginalização que, em última instância, contribuem para maior concentração de riqueza nos bolsos de poucos.  

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