Quando urnas podiam criar asas

Nos idos de 1985, a maioria das correntes de esquerda ainda abrigadas no então PMDB, deu-se no Recife uma eleição interna, envolvendo todos os diretórios zonais, em torno da escolha do candidato a prefeito.

Uma ala importante, que incluía o senador Marcos Freire e outros próceres de peso, fixou-se no nome do deputado Sérgio Murilo Santa Cruz. No campo oposto, Miguel Arraes e vários outros líderes, incluindo os comunistas do PCdoB, preferiram Jarbas Vasconcelos.

Verdadeira batalha campal, a ser decidida no voto dos filiados.

Era a antessala das eleições de 1986, em que da correlação de forças daquele amontoado de correntes políticas sairia o candidato a governador.

Numa tensa reunião preparatória na residência de Arraes, em Casa Forte, onde se mapeavam possíveis votos, um vereador de longa estrada percorrida saiu-se com essa:

— É preciso esclarecer se algumas urnas poderão ter asas.

— Como assim?, perguntei meio que ingênuo na matéria.

— Ora, se a gente já sabe onde pode perder, o jeito é dar fim a algumas urnas em que o adversário tem vantagem, respondeu o dito cujo.

Claro que ali ninguém admitiu urnas aladas. Além de eticamente condenável, seria politicamente injusto e até perigoso.

Perdemos a disputa, Jarbas Vasconcelos migrou para a legenda recém-reorganizada do PSB e o elegemos prefeito.

Nos dias que correm, o Brasil ostenta a fama de haver criado o sistema de urnas eletrônicas, hoje protegido por mecanismos eficazes contra qualquer tentativa de fraude.

Mas o capitão presidente, em coerência com seu ideário regressivo, vez por outra põe em dúvida a lisura do sistema eletrônico. Sem nenhuma evidência que respalde a dúvida.

Na verdade, quem governa apoiado por milícias e apela constantemente à ilegalidade, bem que gostaria de retornar ao sistema antigo de contagem manual do voto impresso e, quem sabe, fazer urnas criarem asas e desaparecerem conforme seus interesses.

Tomara que não.

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