Brasil registra aumento de feminicídios e estupros no 1º semestre

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 722 feminicídios no período, 2,6% a mais do que no 1º semestre de 2022, e 34 mil estupros, crescimento de 14,9%

Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O Brasil segue sendo um país terrivelmente hostil às meninas e mulheres. Embora tenha havido queda de 3,4% dos crimes contra a vida no primeiro semestre deste ano, os feminicídios e homicídios femininos tiveram crescimento de 2,6% cada, quando comparado com o mesmo período do ano anterior, e os estupros e estupros de vulneráveis apresentaram crescimento de 14,9%. 

Os dados fazem parte do relatório “Violência contra meninas e mulheres no primeiro semestre de 2023”, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A publicação tem o objetivo de discutir a urgência do tema no mês marcado pelo Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (25/11), data que marca o início das mobilizações em torno dos 16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero. 

Segundo o estudo — que usa informações das Polícias Civis —, o cenário enfrentado pelas mulheres segue sendo dramático. Nos primeiros seis meses deste ano, 722 foram vítimas de feminicídio no Brasil, o que equivale a quatro por dia, aumento de 2,6% em relação ao primeiro semestre de 2022. 

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Tal aumento segue a tendência dos últimos anos. Entre o primeiro semestre de 2019 e o primeiro semestre de 2023, houve aumento de 14,4% no número de vítimas de feminicídio. A estatística cresce ininterruptamente, de acordo com o FBSP, desde a aprovação da Lei 13.104/2015, que inseriu o feminicídio no Código Penal como qualificadora do homicídio doloso. 

Vale destacar, no entanto, que no cômputo geral, quase todas as regiões do país apresentaram redução no número desse tipo de crime. A maior redução se deu no Nordeste, com queda de 6,9% (69 vítimas). A exceção foi o Sudeste, que puxou a estatística para cima devido ao aumento de 16,2%, com 273 mulheres assassinadas por sua condição de gênero. 

Nessa região, São Paulo foi o que mais registrou aumento, com 33,7%, passando de 83 para 111 casos. O Rio de Janeiro foi o único com redução de 3,6% nos feminicídios; no entanto, cresceu 6,4% os homicídios dolosos de mulheres. O Distrito Federal registrou o pior desempenho, com um impressionante salto de 250% nos casos de feminicídio, saindo de seis casos no ano passado contra 21 agora. 

Os homicídios de mulheres não caracterizados como feminicídios também registraram aumento de 2,6% — o que corresponde a 1.902 assassinatos. Importante salientar a diferença entre esse tipo de crime e o feminicídio. Segundo a Lei 13.104/2015, o feminicídio é o assassinato de uma mulher por razões relacionadas à condição do sexo feminino; essas condições relacionam-se à “violência doméstica e familiar” ou ao “menosprezo ou discriminação à condição da mulher”. Segundo o relatório, em média 38% dos assassinatos de mulheres ocorridos ao longo do primeiro semestre foram tipificados como feminicídio no Brasil, mesmo percentual de 2022.  

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Para o FBSP, “os dados parecem indicar a dificuldade que o aparato estatal, em suas diferentes esferas federativas, possui para implementar os dispositivos previstos na Lei Maria da Penha”. A avaliação é a de que “embora a legislação esteja constantemente sendo aperfeiçoada, as previsões legais muitas vezes não se traduzem na prática na vida de milhares de mulheres”. Uma iniciativa que o Fórum considera importante neste sentido foi a construção, pelo governo Lula, de 40 Casas da Mulher Brasileira. 

No que diz respeito às medidas protetivas, o levantamento revela ainda que em oito estados em que as secretarias de Segurança sistematizaram o perfil das vítimas — RJ, AC, SP, RS, MG, MS, MT, além do DF — a grande maioria das vítimas não tinha uma Medida Protetiva de Urgência vigente quando foram mortas; em média, apenas 11,1% das 1.026 desta amostra tinham MPU vigente quando foram mortas. 

Estupros

Outro dado alarmante é o índice de estupros que vitimiza meninas e mulheres. No primeiro semestre de 2023, os estupros e estupros de vulneráveis somaram 34 mil casos, crescimento de 14,9%, em relação ao mesmo período do ano passado, o que corresponde a um crime a cada oito minutos. 

Com base em estudo do Ipea que estimou em apenas 8,5% o número de estupros registrados pelas polícias e em 4,2% os que constam nos sistemas de informação de saúde, tendo como referência o ano de 2019, o FBSP apontou: “Se assumirmos este mesmo percentual de casos notificados para este ano, temos cerca de 425 mil meninas e mulheres que sofreram violência sexual nos primeiros seis meses de 2023”. 

Do total de casos apontados pelo FBSP, 74,5% foram estupros de vulneráveis — ou seja, as vítimas tinham menos de 14 anos ou eram incapazes de consentir. 

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No caso dos estupros em geral, todas as regiões do país tiveram aumento, com destaque para o Sul, onde o crescimento foi de 32,4%, seguido do Norte, com 25%. O estado com maior variação foi Santa Catarina, que registrou um salto de 103,9%, saindo de 1.024 para 2.088 vítimas. 

De acordo com o FBSP,  “a maior parte das vítimas de violência sexual no Brasil são crianças, e o local onde essa violência ocorre é dentro das próprias casas, com autoria de pessoas conhecidas das vítimas, geralmente familiares. Esse contexto faz com que seja muito difícil para as vítimas reconhecerem as violências que sofrem, tanto pela falta de conhecimento sobre o tema, como pelo vínculo com o agressor”. 

Informações do Anuário 2023 do FBSP apontam que 61,4% das vítimas de estupros tinham entre zero e 13 anos de idade, e oito em cada dez tinham menos de 18 anos. A maioria das vítimas, 88,7%, era do sexo feminino, e 56,8% eram negras. 

No que diz respeito às crianças de zero a 13 anos, 86,1% dos agressores eram conhecidos, em sua maioria familiares como avôs, padrastos e tios. Entre as vítimas com mais de 14 anos, 77,2% dos agressores eram conhecidos das vítimas e 24,3% tinham sido estupradas por parceiros ou ex-parceiros íntimos. 

Desafios 

Após a divulgação do estudo, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, se manifestou pelas redes sociais. Ela declarou que os dados são “arrasadores e alarmantes”. Primeiramente, disse, “porque não são números, mas vidas que foram interrompidas pela misoginia que se faz presente em nosso país”. 

Entre as medidas que a ministra elencou como parte da estratégia de enfrentamento da violência de gênero pelo governo federal estão a Casa da Mulher Brasileira, os Centros de Atendimento a Mulheres, os investimentos para a compra de tornozeleiras eletrônicas pelos estados, a Central de Atendimento à Mulher via Disque 100 e a criação de um canal no Whatsapp (61 9610-0180). 

Cida também destacou o Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios que “reúne dezenas de ministérios, estados e municípios mobilizados com ações contra o assassinato de mulheres, passando pela educação, segurança pública e outros”. 

Por fim, salientou que “visando a mudança de comportamento do ódio contra as mulheres na sociedade, lançamos a iniciativa Brasil sem Misoginia, com adesão de mais de 100 empresas, organizações, grupos religiosos e da educação, tornando o debate público e estimulando os parceiros a darem sua contribuição”.

Segundo Cida, “os desafios são muitos, mas temos no governo federal o compromisso de elaborar políticas que visam a garantia do direito de toda mulher viver sem violência”.