Ex-líder dos Proud Boys tem condenação mais longa por invasão do Capitólio

Condenado a 22 anos de prisão por conspiração sediciosa, ele recrutou um grupo de 200 pessoas para marchar sobre o Capitólio, embora não estivesse em Washington naquele dia. Mais de 600 pessoas já tiveram pena definida

Na terça-feira, 5 de setembro de 2023, Enrique Tarrio, ex-líder dos Proud Boys [Meninos Orgulhosos], recebeu a sentença mais longa até o momento entre as centenas de réus envolvidos na invasão do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. Tarrio foi condenado a 22 anos de prisão por conspiração sediciosa e obstrução do processo do Congresso relacionado à confirmação das eleições presidenciais de 2020.

Mais de 1,1 mil pessoas foram presas por acusações relacionadas ao ataque ao Capitólio e, dessas, pelo menos 630 se declararam culpadas e quase 800 foram condenadas em julgamento e mais de 600 tiveram a pena definida. Quase 400 foram condenadas à prisão por atentar contra a democracia americana. Cinco pessoas, entre elas um policial, morreram durante ou logo após a invasão e mais de 140 policiais ficaram feridos. O Capitólio sofreu prejuízos de milhões de dólares. Até agora, quase 800 pessoas foram condenadas. 

Esta sentença é vista como um momento crucial na investigação em andamento que visa grupos de extrema direita, como os Proud Boys e os Oath Keepers [Guardiões do Juramento], que envolveram o ataque ao Capitólio.

Enquanto muitos manifestantes afirmaram ter sido motivados por denúncias infundadas de fraude eleitoral feitas pelo então presidente Donald Trump, que encorajou seus apoiadores a apoiar sua narrativa de uma eleição roubada, o julgamento de Enrique Tarrio e dos outros membros dos Proud Boys destaca a importância da responsabilização legal por atos de violência política.

Não se enganem, nós fizemos!

Enrique Tarrio (na foto ao lado) não estava em Washington no dia 6 de janeiro de 2021. Tinha sido detido dois dias antes e recebeu ordem judicial para deixar a capital americana. Ele foi para Baltimore, cidade próxima, e agiu de lá, convocando os apoiadores de Donald Trump em uma sala de bate-papo online. Depois da invasão ao Congresso, ele comemorou: “Não se enganem. Nós fizemos isso”.

O juiz que proferiu a sentença descreveu Tarrio como “o líder máximo” e destacou que ele foi motivado pelo “zelo revolucionário” ao organizar membros de seu grupo de extrema direita, os Proud Boys, para desencadear a invasão do Capitólio. Na audiência desta terça-feira (5), o juiz adicionou o agravante de terrorismo. Em maio, ele tinha sido condenado pelo crime raro de conspiração para derrubar o governo americano e outros nove crimes.

Os promotores do Departamento de Justiça apresentaram centenas de provas que mostraram que Tarrio ajudou a planejar e liderar o ataque para impedir a transferência pacífica de poder nos Estados Unidos, e afirmaram que ele estimulava uma guerra civil para manter Donald Trump no poder. Trump também virou réu em agosto, acusado de conspirar para mudar o resultado da eleição de 2020.

Tarrio não esteve em Washington no dia dos acontecimentos, porque havia sido preso dois dias antes por queimar uma bandeira “Black Lives Matter” [Vidas Negras Importam] arrancada de uma igreja da capital dos Estados Unidos durante um protesto anterior. Como resultado, ele foi proibido de entrar na cidade.

Os promotores argumentaram que, mesmo ausente fisicamente, Tarrio recrutou indivíduos para participarem do ataque ao Capitólio, enviando mensagens que instigavam a ação violenta. Durante o ataque, ele teria enviado a mensagem “Não saiam” aos seus seguidores enquanto lideravam uma invasão, resultando na interrupção da contagem dos votos eleitorais por cerca de seis horas.

Arrependimento

No tribunal, Tarrio negou ter planejado uma incursão ao Capitólio e afirmou não ter endossado as atitudes de alguns membros dos Proud Boys que foram os primeiros a entrar no prédio. Os promotores buscaram uma sentença de 33 anos para Tarrio, enfatizando seu papel proeminente no ataque ao Capitólio.

O juiz descobriu que as condenações se qualificaram para uma pena reforçada contra terrorismo de acordo com a lei federal, mas optou por não impor a pena máxima, argumentando que “o ajuste ao terrorismo exagera o seu papel no crime” e que os Proud Boys não tinha intenção de causar mortes ou vítimas em massa.

Após a sentença, Tarrio pediu desculpas por suas ações e pelos Proud Boys, expressando respeito pelos policiais que defenderam o Capitólio e registrando que suas ações não foram aceitáveis. No entanto, o juiz observou que o pedido de desculpas não pode garantir que a dissuasão seja eficaz, e enfatizou o impacto descomunal de Tarrio nos eventos do dia.

As sentenças proferidas contra membros dos Proud Boys, incluindo Tarrio, são um marco significativo no processo de justiça em relação ao ataque ao Capitólio, destacando a seriedade com que o sistema judicial dos Estados Unidos aborda atos de violência política.

Provas do crime

Recentemente, novos documentos e relatórios lançaram luz sobre o envolvimento dos Proud Boys, um grupo de extrema direita, nesses eventos históricos. A análise dos acontecimentos revela como essa organização se preparou e participou do ataque ao edifício do Congresso.

Documentaristas que acompanharam figuras centrais dos eventos desempenharam um papel importante na compreensão do que ocorreu no dia do ataque. Um desses documentáristas acompanhou Roger Stone, conselheiro de longa data de Donald Trump, e ofereceu insights sobre seus esforços para deixar Washington naquele dia e suas interações com os Oath Keepers, outro grupo extremista de direita. Outro documentário concentrou-se nos Proud Boys e será uma parte central da primeira audiência pública do comitê selecionado da Câmara que investiga o ataque.

Diferentes lógicas, mesma abordagem

Os Proud Boys e os Oath Keepers, embora distintos em muitos aspectos, convergiram em uma abordagem semelhante para o ataque ao Capitólio. Ambos os grupos estavam em Washington naquele dia, prontos para ação, mas com motivações e critérios diferentes. No entanto, a presença de membros de ambas as organizações levou as autoridades federais a emitirem acusações relacionadas à sedição.

Os Proud Boys, apesar de serem uma organização independente, tinham uma sobreposição significativa com o mundo político de Trump. Roger Stone, por exemplo, foi amigo de Enrique Tarrio, líder dos Proud Boys durante o período entre as eleições de 2020 e o ataque ao Capitólio. A atividade dos Proud Boys esteve intimamente ligada à sorte de Trump, com o grupo participando de manifestações em apoio ao ex-presidente. O grupo também ganhou notoriedade por seu envolvimento em confrontos violentos com oponentes políticos de esquerda, mas em 2020 direcionou sua energia para apoiar Trump, participando de 97 de 152 manifestações explicitamente pró-Trump naquele ano.

Impacto das palavras de Trump

O comportamento dos Proud Boys em 2020 esteve em parte ligado às palavras do próprio Trump. Após um debate presidencial em setembro de 2020, no qual Trump pediu que os Proud Boys “recuassem e aguardassem”, o grupo interpretou as palavras do presidente como um endosso. Consequentemente, os Proud Boys participaram de 79 manifestações pró-Trump até o final do ano.

Após as eleições de 2020, que enfureceram muitos apoiadores de Trump, as dívidas cresceram. Em novembro de 2020, Enrique Tarrio, líder dos Proud Boys, postou uma mensagem sugerindo que se Biden “roubasse” a eleição, os Proud Boys seriam “prisioneiros políticos” e que não ficariam em silêncio. Essas palavras refletiram a crescente animosidade entre os Proud Boys e o resultado das eleições.

Preparativos para o ataque

Os preparativos dos Proud Boys para o ataque ao Capitólio começaram a tomar forma após um tweet de Trump em 19 de dezembro de 2020, que anunciou um protesto “selvagem” em Washington para 6 de janeiro de 2021. Tarrio e outros membros dos Proud Boys formaram um novo capítulo chamado Ministério de Autodefesa (MOSD) em 20 de dezembro, focado no planejamento do protesto.

A partir daí, os preparativos se intensificaram. Um chat criptografado foi criado para recrutar membros para o MOSD, e uma campanha de crowdfunding foi lançada para financiar equipamentos de proteção. Tarrio, que havia sido proibido de entrar em Washington após sua prisão por combustão a uma faixa do Black Lives Matter em dezembro, foi encontrado brevemente com Stewart Rhodes, líder dos Oath Keepers.

Nas mensagens posteriores, Tarrio indicou que os Proud Boys planejaram comparecer ao protesto de forma “incógnita”, vestidos de preto para se assemelharem aos membros da antifa, um grupo de esquerda. Eles discutiram planos para ocupar edifícios em Washington e a mensagem foi clara: o que aconteceria em 6 de janeiro seria “completamente diferente” das manifestações anteriores do grupo.

O dia do ataque

No dia da insurreição, membros dos Proud Boys, junto com outros manifestantes, avançaram sobre o Capitólio, enfrentando confrontos com a polícia e contribuindo para a violência. Eles receberam um escudo da polícia para quebrar uma janela do Capitólio, tornando-se alguns dos primeiros a entrar no prédio.

Documentos revelam que, na noite do ataque, membros dos Proud Boys enviaram mensagens para Tarrio, expressando orgulho e atribuindo a ele o sucesso da ação.

Embora seja importante observar que o ataque ao Capitólio provavelmente teria ocorrido independentemente da presença dos Proud Boys, o envolvimento ativo do grupo ilustra uma intensa polarização política e a disposição de alguns apoiadores de Trump de usarem a violência como política tática.

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