O esperneio de Bolsonaro e a “espada sobre a cabeça” de Nunes Marques

Do mutismo para o esperneio, Bolsonaro pode ter elevado os decibéis em torno de seu julgamento, mas não mudará o destino dos fatos

Jair Bolsonaro, em geral caricato, falastrão e dissimulado, parecia outro personagem até a véspera do julgamento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que deve torná-lo inelegível por oito anos. Mesmo nos raros compromissos públicos dos quais participou nas últimas semanas, o ex-presidente oscilava entre o silêncio e moderação, como se já estivesse conformado com a inevitável punição política.

Na manhã de quarta-feira (21), a estratégia mudou. Em vez do mutismo, Bolsonaro recorreu ao esperneio. Talvez para dar algum alento à sua base cada vez mais enxuta, ele decidiu ir ao Congresso Nacional na hora em que os senadores sabatinavam Cristino Zanin, indicado pelo presidente Lula para o STF (Supremo Tribunal Federal).

“Amanhã é meu julgamento”, choramingou à imprensa. Questionado sobre as inúmeras ameaças feitas por ele e por seus apoiadores – ameaças que culminaram nos atos golpistas de 8 de janeiro –, Bolsonaro voltou à ladainha: “Sempre joguei dentro das quatro linhas”. E emendou: “Nunca vi golpe sem armas. Querem dar ares de golpe no 8 de janeiro. Foram atos de vandalismo, mas tomada de poder, isso não existe.”

O dia escolhido para o estrebucho não poderia ter sido pior para Bolsonaro. Na mesma quarta, além da contundente aprovação de Zanin ao Supremo, uma pesquisa apontou que a aprovação ao governo Lula começou a subir, no rastro das boas notícias econômicas. De quebra, o presidente, em visita ao Vaticano, trocou presentes, abraços e afagos com o papa Francisco, talvez o líder mais carismático e popular da atualidade. Definitivamente, era dia de Lula nos holofotes, não de Bolsonaro.

Com o início do julgamento – e a apresentação do impecável parecer do MPE (Ministério Público Eleitoral) em defesa da inelegibilidade –, Bolsonaro e a horda retomaram o tom ameaçador. A sensação de isolamento cresceu. Segundo a colunista Thaís Oyama, do UOL, o ministro Kassio Nunes Marques, indicado ao STF pelo ex-presidente, parou de atender a telefonemas e entrou na mira dos bolsonaristas.

Não satisfeitos com o palavreado mafioso, os aliados do ex-presidente acrescentaram: “Se (Nunes Marques) votar contra a absolvição de Bolsonaro, ele terá sobre a cabeça dele a espada do bolsonarismo. Nas duras palavras de um integrante do PL, ele vai ficar impedido de andar nas ruas, impedido de frequentar restaurantes com a família dele, dificuldade de pegar avião sem ser incomodado e vai ter uma avalanche de críticas e ataques nas redes sociais”.

A esperança inicial era a de que Nunes Marques votasse a favor de Bolsonaro ou, no mínimo, pedisse vistas no processo, adiando o martírio do ex-presidente por até 90 dias, já que à pausa seria somado o recesso no Judiciário. E o que fizeram aos bolsonaristas, conforme o relato de Thaís Oyama? “Decidiram que fariam chegar aos ouvidos do ministro Kassio Nunes Marques a seguinte pergunta: qual espada ele vai preferir ter sobre a cabeça?”.

Porém, outro colunista, Igor Gadelha, do Metrópoles, garante que o bolsonarismo reconheceu a perda de influência sobre o ministro. “Aliados de Bolsonaro reconhecem que a pressão exercida pelos apoiadores do ex-presidente sobre Nunes Marques teve efeito pequeno, uma vez que o ministro sequer é adepto das redes sociais”, registrou o jornalista.

As apostas do ex-presidente recaem agora – e sem a mínima cerimônia – sobre o ministro Raul Araújo Filho. Em entrevista nesta sexta à Rádio Gaúcha, Bolsonaro foi direto ao papo: “O primeiro a votar depois do relator é o ministro Raul, conhecido por ser um jurista que tem bastante apego à lei, apesar de estar num tribunal político. Há possibilidade de pedir vista – e é bom, porque ajuda a gente a clarear os fatos”.

Do mutismo para o esperneio, Bolsonaro pode ter elevado os decibéis em torno de seu julgamento, mas não mudará o destino dos fatos. Que ele se tornará inelegível, não resta mais dúvida. Falta saber se será por 7 votos a 0, por 6 a 1 ou ou 5 a 2. E falta saber quando. Na próxima sexta (27), o relator, ministro, Benedito Gonçalves, apresentará seu voto. Sem vistas, tudo pode terminar na terceira sessão. Com vistas, o caso pode avançar até setembro. A sorte está lançada para Bolsonaro.

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