Especialistas e entidades criticam inclusão do Fundeb na nova regra fiscal

Relator do texto aprovado na Câmara incluiu o fundo que financia a educação básica no arcabouço; se aprovado no Senado, regra pode levar à redução dos recursos para a área

Foto: Arquivo/Agência Brasil

A educação brasileira pode sofrer um duro golpe se o Fundeb for mantido no novo regramento fiscal, segundo apontam especialistas e entidades da área. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação não constava no texto original encaminhado pelo governo ao Congresso e foi incluído no arcabouço na versão apresentada pelo relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA). A matéria foi aprovada na Câmara e agora aguarda apreciação do Senado. 

Vale lembrar que nem mesmo a Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, estabelecida ainda no governo de Michel Temer, incluía o Fundeb. Se for aprovado o texto com essas mudanças, o Fundo passará a entrar nos limites de gastos estipulados pelo arcabouço, trazendo sérios prejuízos à educação. Agora, movimentos sociais, setores da sociedade civil e parlamentares se articulam para fazer frente a mais esta tentativa de ataque à educação. 

Principal forma de financiamento da educação básica, o Fundeb foi incorporado à Constituição em 2020. Por meio dele, a União repassa verba a estados e municípios — sem esses recursos, os entes federativos teriam sérias dificuldades de financiar a área. Conforme estabelecido pela legislação vigente, os repasses teriam aumentos progressivos e escalonados: 12% em 2021, 15% em 2022; 17% em 2023, 19% e, 2024; 21% em 2025 e 23% em 2026. 

Efeitos adversos

De acordo com nota da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, “a inclusão da complementação da União dentre as despesas limitadas pelo arcabouço fiscal obrigará a redução de outras despesas, inclusive em programas educacionais, como os da merenda e do transporte escolar, além do livro didático”.

Para Maria Goreti Farias Machado, professora do Departamento de Estudos Especializados da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “a proposta de inclusão, no arcabouço fiscal, da complementação do Fundeb devida aos estados e municípios pela União, representará perdas importantes para as redes de educação básica pública. Em 2023, a complementação é estimada em cerca de R$ 40 bilhões”. 

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Ela explica que “a complementação já é uma exceção na emenda vigente, do teto de gastos. Isso, portanto, representaria um retrocesso, prejudicando o padrão mínimo de qualidade e os avanços alcançados com o Fundeb permanente, aprovado pela Emenda Constitucional 108 de 2020, que inclui o Custo Aluno Qualidade (CAQ) e a forma híbrida de complementação, para alcançar a qualidade tão debatida. Além disso, compromete também o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE)”.

Em debate realizado na Comissão de Educação do Senado logo após a aprovação das regras fiscais na Câmara, Rossieli da Silva, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), explicou que “o Fundeb entrar no arcabouço fiscal vai prejudicar políticas como o próprio cumprimento do piso (do magistério). No mínimo, vai pressionar todas as verbas ligadas à Educação. E trará reflexos na composição salarial”.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), por sua vez, salientou, em nota, que “a continuidade desta condição relativa aos recursos de complementação ao Fundeb, por estarem vinculados constitucionalmente, resultará na compressão dos recursos a serem aplicados nos outros setores sociais que não possuem vinculações previstas na Constituição de 1988, como é o caso, por exemplo, das universidades e institutos federais”. Os efeitos, segue a nota, serão danosos para a educação, em todos os seus níveis, etapas e modalidades. 

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Da mesma forma, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), repudiou a mudança e salientou que se o texto for aprovado desta forma, “recursos da educação e da saúde serão mantidos em patamares mínimos, diferente de outros momentos, sobretudo nos primeiros mandatos do Presidente Lula, em que o Ministério da Educação contou com transferências acima do mínimo constitucional e que resultaram na ampliação das Universidades Federais e dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com valorização de seus profissionais”. 

Segundo a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, que está mobilizada para reverter o texto, o arcabouço “precisa, necessariamente, excetuar os aportes do Fundeb. A manutenção do texto do substitutivo é inconstitucional”. 

A União Nacional dos Estudantes (UNE) também reforçou o coro em defesa do Fundeb fora do arcabouço: “Quantas vezes teremos que repetir que educação é investimento? O novo Fundeb foi resultado de muita luta e não podemos aceitar o retrocesso de que seja incluído no arcabouço fiscal. Precisamos garantir o funcionamento das nossas escolas!”.