Taxa de juros pressiona dívida pública e pode neutralizar esforço fiscal

Embora o mercado financeiro, maior detentor de títulos da dívida, pressione por um teto de gastos do governo, a política de juros altos do Banco Central só faz aumentar mais a dívida.

Membros do Copom (esq para dir): Bruno Serra, Otavio Ribeiro, Paulo Souza, Carolina de Assis, Mauricio Moura, Campos Neto, Fernanda Guardado, Renato Gomes e Diogo Abry Guillen. - Divulgação/Banco Central

Embora o mercado financeiro exija controle rigoroso dos gastos do governo, o Banco Central neutraliza qualquer política fiscal ao definir uma taxa de juros Selic extorsiva e fora de qualquer padrão mundial. Os serviços da Dívida Pública Federal (DPF) pagos pelo Governo Federal também são gastos enormes, estimulados pelos juros altos incidentes sobre ela.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva tem vocalizado, mesmo antes do início do governo, críticas ao posicionamento do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) sobre a taxa Selic. O governo enfatiza o efeito nocivo dos altos juros sobre a economia como um todo. Embora sejam uma ferramenta de combate à inflação, também limitam o crédito e portanto o investimento produtivo, assim como reprimem o consumo. O resultado disso é uma economia recessiva, sem perspectivas de crescimento.

Mesmo sabendo disso, o sistema financeiro privado não contribui para pressionar o Banco Central por uma política de juros que estimule um círculo virtuoso na economia. Isso, porque o crescimento do endividamento do estado favorece detentores de títulos da DPF. Em favor de beneficiar o lucro de uma elite financeira, toda a economia produtiva é colocada em compasso de espera e recessão.

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A briga com a Fazenda é uma novidade criada no último governo, conforme o Congresso aprovou a autonomia do Banco Central. Até então, o BC era subordinado à política econômica forjada pelos governos. O presidente do banco era uma indicação interessada da Presidência da República. Agora, resta ao governo indicar dois membros à diretoria de Política Monetária do Banco Central, que possam contribuir para equilibrar as votações.

Detentores de títulos

O objetivo da autonomia votada por maioria parlamentar conservadora foi dissociar essas duas coisas e garantir que o BC obedeça única e exclusivamente aos ditames do mercado financeiro. A estratégia de manter os juros básicos da economia em 13,75% ao ano, funcionou, e o Banco Central é o quartel-general das elites detentoras de títulos da dívida, que garantem juros altamente favoráveis ao custo do desmonte da economia nacional.

Por meio da dívida pública, o governo pega dinheiro emprestado dos investidores para honrar compromissos financeiros. Em troca, compromete-se a devolver os recursos depois de alguns anos, com alguma correção, que pode seguir a taxa Selic (juros básicos da economia), a inflação, o dólar ou ser prefixada (definida com antecedência).

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As instituições financeiras (bancos) seguem como principais detentoras da Dívida Pública Federal interna, com 28,82% de participação no estoque, um leve aumento em relação ao mês de março. Os fundos de investimento mantiveram o estoque, com 23,57%, e os fundos de pensão (previdência), com 23,51%, aparecem em seguida na lista dos maiores detentores da dívida.

A participação de estrangeiros é de 9,5%. Esse número mantem uma certa estabilidade, apesar da turbulência nos mercados externos, marcado por crises em bancos norte-americanos e europeus. Os demais grupos (que incluem governo, seguradoras e outros) somam cerca de 14,6% de participação na DPF.

Mais dívida e mais títulos

Os números divulgados nesta segunda-feira (29) pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, mostram a dimensão do crescimento da dívida. O montante de emissões de títulos da DOF, aliado a um volume baixo de resgates no mês passado, elevou o estoque total da dívida em 2,38%, passando de R$ 5,89 trilhões, em março, para R$ 6,03 trilhões, em abril. Trata-se de um aumento nominal de R$ 140,12 bilhões.

O Tesouro prevê que a DPF subirá nos próximos meses. De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF) 2023, apresentado no fim de janeiro, o estoque da DPF deve encerrar o ano entre R$ 6,4 trilhões e R$ 6,8 trilhões.

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“Esta variação deveu-se à emissão líquida [emissões menos resgates], no valor de R$ 92,30 bilhões, e à apropriação positiva de juros, no valor de R$ 48,15 bilhões, descontada a transferência de R$ 0,34 bilhão para a carteira do Banco Central”, informou o ministério.

Por meio da apropriação de juros, o governo reconhece, mês a mês, a correção que incide sobre os títulos e incorpora o valor ao estoque da dívida pública.

No mês passado, a Dívida Pública Mobiliária (em títulos) interna (DPMFi) totalizou R$ 116,51 bilhões, enquanto os resgates foram de R$ 34,39 bilhões, resultando em emissão líquida de R$ 82,12 bilhões. Destaque para as emissões de títulos prefixados (49,55%) e de títulos remunerados por índice de preços (29,5% do total). Já os títulos remunerados à taxa flutuante tiveram redução de participação (de 39,08% para 38,84%).

Outros R$ 10,19 bilhões são relativos à emissão líquida da Dívida Pública Federal externa (DPFe), contraída no mercado exterior, totalizando os R$ 92,30 bilhões de emissão líquida total. Segundo o Tesouro, “é a maior emissão líquida desde junho de 2021”.

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Arcabouço Fiscal

A reserva de liquidez ou colchão da dívida pública (reserva financeira usada em momentos de turbulência ou de forte concentração de vencimentos), que havia caído em março, subiu em abril, atingindo o patamar de pouco mais de R$ 1 trilhão. O crescimento, em termos nominais, foi de 1,57%.

Apesar do aumento da reserva, o nível do colchão garante o pagamento dos próximos 8,55 meses de vencimentos da DPF, um período um pouco menor do que os 9,22 meses registrados em março. Segundo o Tesouro, os meses de maio, julho e setembro de 2023 concentrarão vencimentos estimados em R$ 786,33 bilhões, o que explica a redução do alcance temporal do colchão.

Esse colchão é o alvo principal da política fiscal do governo. A pressão para que o governo tenha um teto de gastos ou um arcabouço fiscal que garanta superávit primário visa a provar aos detentores dos títulos da dívida que o governo é capaz de pagar o que deve. 

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