Assad tem recepção calorosa com volta da Síria à Liga Árabe

Presidente sírio participa da primeira cúpula do bloco regional desde a suspensão de seu país devido à repressão a protestos antigovernamentais em 2011.

O presidente da Síria, Bashar al-Assad, fala enquanto participa da Cúpula da Liga Árabe em Jeddah, Arábia Saudita, em 18 de maio de 2023 [Agência de Imprensa Saudita/Divulgação]

Após mais de uma década de isolamento, Bashar al-Assad, o presidente da Síria devastada pela guerra, foi recebido de volta na Liga Árabe como um sobrevivente resiliente da maior tentativa de derrubada de um regime pela força.

Al-Assad participou nesta sexta-feira (19) da 32ª cúpula do bloco regional na cidade portuária de Jeddah, na Arábia Saudita, pela primeira vez desde a suspensão de seu país após a eclosão da guerra na Síria em 2011.

O retorno tem enorme valor simbólico pela postura que a Liga Árabe assume de rejeitar a tentativa de potências ocidentais de derrubada do regime sírio pela força. Além disso, objetivam reduzir os impactos tóxicos do conflito na região, como tráfico de drogas, crises de refugiados e fortalecimento do Irã.

Avalia-se que a mudança de postura da Arábia Saudita foi determinante para a vitória de Damasco. A Síria precisa desesperadamente de investimentos e os países do Golfe já contribuem com o país, desde o terremoto recente. Riad também fez um esforço para evitar que Catar, Kuaite e Marrocos obstruíssem o retorno, por ainda considerarem o governo al-Assad ilegítimo. Mas será preciso muita ajuda financeira do Golfo para afastar Assad do Irã e da Rússia.

Durante seu discurso, ele disse que a cúpula era uma “oportunidade histórica” para abordar crises em toda a região, enquanto centenas protestavam no norte da Síria controlado pelos rebeldes contra sua participação no evento.

“Espero que marque o início de uma nova fase da ação árabe pela solidariedade entre nós, pela paz em nossa região, desenvolvimento e prosperidade em vez de guerra e destruição”, disse Assad aos participantes.

Assad disse que a Síria sempre pertencerá ao mundo árabe, mas pediu a não interferência nos assuntos internos dos estados árabes.

“É importante deixar os assuntos internos para o povo do país, pois eles são os mais capazes de administrar seus próprios assuntos”, disse ele.

Em um aparente ataque ao presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que apoiou os rebeldes sírios e enviou forças turcas para áreas do norte da Síria, Assad observou o “perigo do pensamento expansionista otomano”, descrevendo-o como influenciado pela Irmandade Muçulmana – um grupo visto como inimigo por Damasco e muitos outros estados árabes.

Protestos

A novidade foi recebida com protestos e revolta em áreas controladas pela oposição rebelde a Assad. Em Azaz, no noroeste da Síria, os manifestantes gritavam “o povo quer a queda do regime” enquanto centenas saíam às ruas em protesto. Os rebeldes são apoiados pelos EUA e Europa, que tentavam derrubar al-Assad do poder.

“A Síria não pode ser representada por Assad, o criminoso”, dizia uma faixa no protesto na cidade. Protestos anti-Assad ocorreram em outras áreas controladas pelos rebeldes, como na cidade de Afrin, no norte, onde uma multidão ergueu uma grande bandeira da oposição.

“Pedimos aos povos árabes que pressionem seus governos para que voltem atrás na decisão [de readmitir a Síria] e para que Bashar al-Assad saia”, disse Issam Khatib, advogado originário da cidade de Aleppo, no norte.

‘Fim de uma era’

Analistas disseram à Aljazira que a readmissão da Síria na Liga Árabe de 22 membros é um forte sinal de que o isolamento de al-Assad está terminando, refletindo uma mudança importante na forma como os atores regionais veem a realidade da sobrevivência de seu governo, de maneiras que estão em desacordo com o Ocidente .

Ibrahim Fraihat, do Instituto de Doha, disse que a menção de al-Assad à “identidade árabe” foi significativa.

“Ele ressaltou a identidade árabe da Síria, e ligando-a à região árabe mais ampla, que enfatiza que a Síria e o regime de al-Assad aqui fazem parte do grupo maior e de toda a região”, disse Fraihat à Al Jazeera.

O retorno e as boas-vindas do “regime sírio” também foram um tema abrangente na cúpula, disse Fraihat.

“Todo mundo está repetindo a mesma mensagem, o que reflete uma ampla aceitação entre a maioria dos líderes árabes para o retorno do regime de Assad”, disse ele.

O discurso de al-Assad foi considerado um momento decisivo. Embora muitos países árabes se aliassem à oposição síria, fornecessem assistência militar e política significativa à oposição, agora é o inverso.

O país anfitrião era anteriormente um importante apoiador de grupos armados de oposição que buscavam derrubar Al-Assad durante a guerra na Síria.

Mais cedo em Jeddah, quando os líderes entraram no salão principal da cúpula, al-Assad trocou cumprimentos com o presidente egípcio Abdel Fattah el-Sisi, entre outros.

O príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman (MBS), que é o governante de fato do reino, abraçou al-Assad antes de sua foto oficial ser tirada antes do início da reunião.

MBS disse esperar que o “retorno da Síria à Liga Árabe leve ao fim de sua crise”.

Os líderes do Golfo que participaram da cúpula foram o Emir do Catar Tamim bin Hamad Al Thani. Sheikh Tamim deixou Jeddah depois de liderar a delegação de seu país, de acordo com um comunicado do Emiri Diwan do Catar distribuído à mídia enquanto al-Assad falava, e não fez seu próprio discurso.

Entre irmãos

“Gostaria de dar as boas-vindas à Síria de volta ao seu lugar entre seus irmãos”, disse o primeiro-ministro argelino, Ayman Benabderrahmane, no discurso de abertura da cúpula.

A adesão da Síria à Liga Árabe foi revogada depois que al-Assad ordenou uma repressão a mais uma tentativa de primavera árabe em março de 2011, o que levou potencias ocidentais a justificar uma intervenção militar contra o regime, que desde então matou quase meio milhão de pessoas e deslocou outras 23 milhões.

Alguns estados árabes pressionaram pelo fim do isolamento de al-Assad e saudaram a decisão, enquanto outros se opuseram à normalização total sem uma solução política para o conflito sírio e querem que haja condições para o retorno da Síria.

A Arábia Saudita, outrora fortemente influenciada pelos Estados Unidos, assumiu a liderança diplomática no mundo árabe no ano passado, restabelecendo os laços com o Irã, dando as boas-vindas à Síria de volta ao redil e mediando o conflito do Sudão.

O potencial restabelecimento dos laços entre Riad e Damasco marcaria o desenvolvimento mais significativo até agora nas ações dos estados árabes para normalizar os laços com al-Assad.

Visita inconveniente

A cúpula também contou com a presença do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que deseja obter apoio para a batalha de Kiev contra a Rússia. Zelenskyy acusou líderes árabes de ignorar os horrores da guerra da Rússia em seu país.

A visita surpresa de Zelensky é uma oportunidade de se dirigir a líderes de uma região que tem estado muito menos unida em seu apoio a Kiev do que ocidentais.

Na verdade, não foi a Liga Árabe, mas a Arábia Saudita que teria feito o convite a Zelensky. Um representante da embaixada russa também participará da cúpula, de acordo com uma autoridade saudita.

Os Estados do Golfo tentaram permanecer neutros no conflito na Ucrânia, apesar da pressão ocidental sobre os produtores de petróleo do Golfo para ajudar a isolar a Rússia, também membro da Opep+.

As informações são da Aljazira

Autor