STF vai julgar legalidade de artigo do Marco Civil da Internet

Decisão sobre artigo 19, que responsabiliza provedores, virá após adiamento da PL das Fake News; Orlando Silva criticou big techs: “terão a regulação – ou pelo Congresso ou pelo Judiciário”

Manifestação pela aprovação do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Na quinta-feira (4), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou para julgamento da Corte ação sobre regras definidas no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). No centro da questão está o artigo 19 que trata a responsabilização dos provedores pelos conteúdos gerados pelos usuários nas plataformas.

A ação de Toffoli acontece em meio ao debate do PL 2630, conhecido como PL das Fake News, que teve votação adiada na Câmara dos Deputados. O Projeto, entre outras situações, prevê a regulação das redes sociais com o apoio das empresas de tecnologia como forma de combater a disseminação de notícias falsas.

Agora a discussão da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil depende da presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, pautar a matéria.

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O relator do PL 2630, deputado Orlando Silva (PCdoB), ao comentar a decisão de Toffoli, enviou um recado aos deputados e representantes das empresas de tecnologia que tem atuado contra o PL das Fake News:

“Eu bem que avisei: o jogo sujo das bigtechs contra o PL 2630 é um tiro no pé. Tentaram colocar o Estado brasileiro de joelhos e agora terão a regulação – ou pelo Congresso ou pelo Judiciário. Quando a esperteza é demais, acaba engolindo o esperto.”

Debate

A discussão sobre o Marco Civil da Internet foi realizada pelo STF com as ‘big techs’ em março com audiências públicas com representantes do Google, Facebook, TikTok, Twitter, WikiMedia e Mercado Livre, além de órgãos governamentais.

O debate sobre a constitucionalidade do artigo 19 trouxe para o debate casos que chegaram à Corte. O primeiro, relatado pelo ministro Luiz Fux, aconteceu em 2010. Aliandra Cleide Vieira, uma professora de Minas Gerais, processou o Google por causa de uma comunidade criada por alunos no antigo Orkut chamada “Eu odeio a Aliandra”, com críticas e ofensas pessoais. Inicialmente, ela pediu para que a página fosse apagada, mas a plataforma entendeu que os autores não tinham violado as políticas de comunidade e a manteve no ar. 

A professora, então, acionou a empresa solicitando a remoção da comunidade e indenização por danos morais. O pedido foi acatado pela Justiça de Minas Gerais, mas o Google recorreu. O caso chegou ao Supremo em 2012.

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O segundo é relatado por Dias Toffoli. Um usuário do Facebook criou um perfil falso com fotos e informações pessoais de Lourdes Pavioto Corrêa e passou a ofender pessoas que ela conhecia. Ao saber disso, Lourdes notificou a plataforma pedindo a exclusão do perfil “fake” mas o Facebook nada fez.

Na ocasião, Lourdes entrou com ação solicitando que o perfil fosse excluído e também uma indenização de R$ 20 mil. A Justiça de São Paulo determinou a exclusão do perfil, mas negou a indenização com base no artigo 19 do Marco Civil. Seus advogados recorreram, e o caso chegou ao STF em 2017.

O que diz o artigo 19?

O Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, no artigo 19, diz:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Como explica a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli, em texto ao Portal Vermelho, a aplicação do artigo para as plataformas de redes sociais e traduzindo do juridiquês:

1 – As plataformas de redes sociais só são responsabilizadas por conteúdos de seus usuários quando, mediante ordem judicial, não realizar a remoção daquele conteúdo.

2 – O artigo não impede que as plataformas realizem moderação de conteúdo com base em seus termos de uso, determinações judiciais e outras regras legais ou próprias.

Dessa forma, como traz o texto (leia na íntegra aqui), existem teses a favor da inconstitucionalidade do artigo como pela constitucionalidade – situação a ser julgada pelo STF.

Na publicação, Mielli pondera que defender a Constitucionalidade do artigo 19 não significa, no entanto, dizer que este dispositivo não pode ser aperfeiçoado “Não faz sentido, por exemplo, que as plataformas não sejam responsáveis pelos conteúdos pagos, patrocinados, e que por isso têm alcance majorado. Esse me parece um ajuste correto a ser introduzido no regime de responsabilidade, e que não traz danos à liberdade de expressão […] Também pode-se prever outras modulações específicas no regime de responsabilidade, mediante situações concretas e conteúdos específicos e bem delimitados. Mas esse caminho precisa ser trilhado com uma discussão pública e no ambiente do poder legislativo, que é o espaço para realizarmos ajustes e aperfeiçoamentos do Marco Civil da Internet”, coloca.

Nota do CGI.br

Nesta sexta-feira (5), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) divulgou nota sobre o debate de mudanças e exceções ao regime de responsabilidade para provedores de aplicação em vigor no Marco Civil da Internet. Sem se referir diretamente ao STF, o Comitê se posicionou em defesa da constitucionalidade do Marco Civil, em especial do artigo 19, e da “previsão de responsabilidade solidária” trazida no PL 2630.

Na nota, é ressaltado pelos membros do CGI.br: O entendimento que o artigo 19 do Marco Civil não fere nenhum artigo da Constituição Federal e precisa ser reafirmado como diretriz geral que permite um equilibro fundamental para o regime de responsabilidade de provedores de aplicação.”

E que: “o regime de responsabilidade previsto no Artigo 19 do Marco Civil da Internet foi fundamental para o desenvolvimento e inovação das aplicações da Internet, mas precisa ser ampliado e aperfeiçoado passada uma década de sua vigência.”

Dessa forma, a compreensão é que não se deve eliminar os avanços da Lei, mas que a sociedade pode atuar para aperfeiçoá-la no sentido de trazer a regulação necessária sob a luz das novas aplicações que a tecnologia disponibiliza em compasso com a responsabilidade social.

Não por acaso, o Comitê Gestor revela apoiar a “previsão de responsabilidade solidária, nos termos do artigo 6º do substitutivo do deputado Orlando Silva ao PL 2630/2020, quando a distribuição de conteúdos de terceiros se der por meio de ampliação ou impulsionamento de alcance de conteúdo por meio de pagamento aos provedores de redes sociais e ferramentas de busca”, assim como está de acordo com “a flexibilização excepcional do regime de responsabilidade acionada pelo mecanismo de protocolo de segurança, previsto no artigo 12 do referido substitutivo, quando for constatado que as plataformas não atuaram de forma diligente para conter a disseminação de conteúdos tipificados como crimes, nos termos do artigo 11.”