Sem Bolsonaro, Brasil melhora em liberdade de imprensa

Relatório dos Repórteres sem Fronteira menciona ‘efeitos da desinformação’ e alternância de governo como determinantes

Enquanto Bolsonaro evitava e hostilizava a imprensa, o presidente Lula confraterniza com os jornalistas. Fotos de Antonio Cruz/ABr e Ricardo Stuckert/PR

O Brasil subiu 18 posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, publicado nesta quarta-feira pela ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF). No último ano, o país ocupava o 110º lugar em uma lista com 180 nações. Agora em 92º, o relatório menciona a existência de um “clima de estabilidade institucional” na área, embora ressalte o que classificou como uma “violência estrutural”. Leia o relatório aqui.

O próprio secretário-geral da entidade, Christophe Deloire, destacou o avanço do Brasil em contraste com os retrocessos em outros países, inclusive da Europa. “Essa instabilidade é o efeito do aumento da agressividade das autoridades em muitos países e da crescente animosidade contra os jornalistas nas redes sociais e fora delas”, explicou.

De acordo com a organização, a melhora na posição está relacionada à saída do ex-presidente Jair Bolsonaro do poder, uma vez que ele “atacou sistematicamente jornalistas e veículos de comunicação”, destaca o documento. A “alternância política” beneficiou, segundo a entidade, “principalmente profissionais de dois países do continente americano”, sendo eles o Brasil e os Estados Unidos.

O relatório relembra que, nos últimos dez anos, ao menos 30 jornalistas foram assassinados no Brasil, o “segundo país mais perigoso da região para os profissionais da imprensa neste período”. Entre os mais vulneráveis, afirma, estão “blogueiros, radialistas e jornalistas independentes que trabalham em municípios de pequeno e médio porte cobrindo corrupção e política local”.

Apenas em 2022, ao menos três assassinatos tiveram relação direta com a prática do jornalismo — incluindo o caso do britânico Dom Phillips, morto na Amazônia durante uma investigação sobre crimes ambientais em terras indígenas. “O assédio e a violência contra jornalistas, especialmente mulheres, continuam a crescer”, diz a organização.

Ainda que tenha apresentado uma melhora, o RSF afirma que o país “permanece polarizado”. “Os ataques contra a imprensa, livremente expressos nas mídias sociais, abriram caminho para práticas recorrentes de agressão física (…), sobretudo nas eleições de 2022 e durante a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro”.

Outro relatório feito pela organização aponta que, apenas durante a campanha eleitoral de 2022, um jornalista foi atacado a cada três segundos na internet. Das mensagens ofensivas, 53% eram dirigidas a mulheres jornalistas. Em comum, as contas que promoveram os ataques reuniam o apoio ao ex-presidente Bolsonaro, críticas a Lula e ataques contra a imprensa.

Inteligência Artificial

Em sua 21ª edição, o levantamento divulgado nesta quarta-feira (3), em Paris, traz mudanças significativas, algumas radicais, relacionadas a um contexto de instabilidade política, social e tecnológica, de acordo com o documento. A organização alerta para a propaganda política, as manipulações econômicas e as fake news geradas pela inteligência artificial (IA).

O relatório “ressalta os efeitos impressionantes da indústria da simulação no ecossistema digital”. “É a indústria que permite que a desinformação seja produzida, distribuída ou amplificada”, indicou Deloire. “Líderes de plataformas digitais não se importam em distribuir propaganda ou informações falsas”, salientou Deloire, citando como “exemplo típico” o caso de Elon Musk, proprietário do Twitter. Outro fenômeno que afronta a liberdade de imprensa são os conteúdos falsos criados pela inteligência artificial (IA). “Midjourney, uma IA que gera imagens de altíssima definição, alimenta as redes sociais com falsificações cada vez mais plausíveis”, diz a RSF.

A organização francesa também aponta o crescimento de conteúdos manipulados em grande escala por empresas especializadas, em nome de governos ou empresas, como é o caso da empresa israelense chamada “Team Jorge”, especializada em desinformação. 

Todas essas “capacidades de manipulação sem precedentes são usadas para minar aqueles que representam o jornalismo de qualidade, ao mesmo tempo em que enfraquecem o próprio jornalismo”, adverte a RSF.

“As informações confiáveis estão sendo abafadas por um dilúvio de desinformação”, observa Deloire, que acredita que “estamos cada vez menos conscientes das diferenças entre o real e o artificial, o verdadeiro e o falso”. “Um dos maiores desafios é restabelecer os princípios democráticos nesse gigantesco mercado de atenção e conteúdo”, afirmou. 

No Brasil, a PL das Fake News, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que busca dar mais transparência às atividades no setor das plataformas e redes sociais, teve sua votação adiada por pressões políticas e de fake news disseminadas pelas próprias ‘big techs’.

No mundo

A queda mais importante é a do Peru (110°), que recuou 33 posições. Desde o golpe parlamentar contra o presidente de esquerda Pedro Castilho, governo e Congresso têm exercido mão de ferro contra manifestantes e imprensa. Outros países que perderam posições são Senegal (104º, queda de 31 posições), Haiti (99º, queda de 29) e Tunísia (121º, queda de 27).

Na classificação por região do mundo, “o norte da África/Oriente Médio continua sendo a área mais perigosa para os jornalistas”, e a Europa é aquela “onde as condições para o exercício do jornalismo são mais fáceis”. A França subiu do 26º para o 24º lugar. Esse “pequeno ganho” pode ser explicado “em particular porque a situação está se deteriorando em outros lugares”, de acordo com Deloire. A Alemanha (21º), por exemplo, caiu cinco posições devido a um “número recorde de atos de violência e detenções de jornalistas”, segundo a RSF.

Globalmente, as condições para o exercício do jornalismo são ruins em 7 de cada 10 países analisados e satisfatórias em apenas 3 de cada 10 nações pesquisadas.

O 3 de maio é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

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