Mesmo com isenções fiscais, preço do carro popular triplica em 10 anos

Governo quer preços acessíveis para que indústria automobilística volte a vender, mas há obrigatoriedades legais e avanços tecnológicos que dificultam.

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A indústria automobilística vive uma queda constante na demanda por carros no Brasil, tendo que fechar fábricas ou dar férias coletivas. Além da pandemia que afetou a produção de peças na China e da guerra que inflacionou tudo, outros fatores contribuem para que os preços não parem de crescer, com aumento de 200% nos preços de automóveis básicos, nos últimos dez anos.

O carro zero quilômetro mais barato vendido no Brasil hoje em dia, o Renault Kwid, é vendido a partir de R$ 68.100,00. Para os parâmetros de “carro popular”, criado no governo Itamar Franco, em 1993, está bem longe da proposta inicial, que era ser acessível a todos os brasileiros. Até mesmo os semi-novos e usados, que eram opções mais realistas para quem queria comprar um veículo, estão cada vez mais caros.

Um levantamento da KBB (Kelley Blue Book), empresa de avaliação de veículos e pesquisa automotiva, mostra que os carros populares encareceram mais 200% em 10 anos, apesar dos estímulos tributários dados pelos governos. Se considerado outro levantamento da Fundação Getúlio Vargas, em quatro anos, o valor dobrou.

Em 2019, segundo a FGV, o valor médio era de R$ 30 mil e o brasileiro precisaria desembolsar 30 salários mínimos da época para sair de carro novo (com motor 1.0 e itens básicos). Três anos depois, o mesmo carro passou a custar quase 70% a mais, o equivalente a 41 salários mínimos. Em 2023, o preço disparou mais uma vez – R$ 67 mil.

O Volkswagen Gol, por exemplo, foi um dos carros que mais encareceram, de acordo com a KBB. Em 2013, um modelo zero quilômetro era vendido por R$ 20.600,00. Hoje, em 2023, vale R$ 68,500,00, alta de 235,5%.

Fatores de encarecimento

Os especialistas alegam que o “automóvel de entrada” de hoje, é muito diferente do “carro popular” dos anos 1990. Muito se fazia em acabamento para baratear o custo, enquanto hoje há 29 itens obrigatórios em todos os automóveis para garantir a segurança, como airbags e freios ABS. Além disso, a tecnologia agregada aumentou muito, como injeção eletrônica, equipamentos de segurança e multimídia. Tudo isso também causou o efeito de reduzir acidentes e aumentar a vida útil de um automóvel, que também contribui para reduzir vendas.

Os fabricantes também acrescentam a isso o que chamam de “custo Brasil” – infraestrutura, logística, custos tributários (em cascata) e desvalorização da moeda. As altas taxas de juros também dificultam o financiamento. No entanto, o Brasil figura entre os dez maiores mercados automotivos do mundo, mesmo com os carros por aqui custando muito mais caro do que em outros países, como Estados Unidos e China. Um carro que no Brasil custa em média 40 salários mínimos, na Europa e nos EUA custa cerca de 15 pisos salariais, com um padrão de fabricação muito mais completo que o brasileiro.

Outro fator que as montadoras não admitem, mas especialistas consideram senso comum, é que existe uma “tradição” de cobrar mais caro do brasileiro porque, supostamente, haveria uma cultura de valorização do status de pagar o quanto for pedido. No México, por exemplo, que também é um país de grandes dimensões territoriais, população bastante empobrecida e constantes crises econômicas, o custo de produção chega a ser 44% menor, enquanto o de venda, 33%.

A volta do carro popular

Pensando em reverter esse complexo cenário, a indústria automotiva começou a se mobilizar. Montadoras procuram o governo para sugerir propostas voltadas ao reaquecimento do setor. Poucos acreditam na possibilidade da indústria reduzir preços para além das promoções que já faz.

O tema está em discussão entre os ministros do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, e da Fazenda, Fernando Haddad. Uma das propostas foi a da renovação da frota brasileira. De acordo com a ideia, os proprietários de automóveis antigos e poluentes seriam indenizados para retirar seus carros de circulação e substitui-los por modelos novos. Além desta, outra alternativa sugerida seria a volta dos carros populares.

A iniciativa tem sido discutida entre fabricantes de veículos e o tema começa a ser avaliado em Brasília. Imagina-se que as montadoras produziriam veículos menores e mais simples. Para isso, elas eliminariam equipamentos prescindíveis (e desobrigados pela lei). Este é o caso das rodas de liga leve, do ar-condicionado, das enormes telas de multimídia, da pintura metálica, dispositivos eletrônicos, entre outros.

O setor acredita que, se houver acordo e o governo oferecer incentivos tributários, seria possível oferecer um veículo popular com valor pelo menos R$ 10 mil abaixo do praticado atualmente. Assim, segundo a indústria, seria possível oferecer carros de entrada com valor entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. Não tem sido esta a percepção nos preços, apesar de toda a renúncia fiscal dos governos para estimular a indústria.

O Renault Kwid é o modelo que mais se aproxima, hoje, de um carro popular. Para se popularizar, avalia-se que o modelo, muito provavelmente, perderia os airbags laterais, mantendo apenas os frontais – que são os obrigatórios por lei. Além disso, demais itens de séries seriam eliminados, como o ar-condicionado, a direção elétrica, o sistema de monitoramento da pressão dos pneus (TPMS) e o assistente de partida em rampa (HSA). Os vidros dianteiros elétricos também poderiam ser substituídos pelos de manivela, assim como as travas elétricas das portas, pela trava manual (por meio da chave). Por fim, o computador de bordo, provavelmente, seria eliminado.

Em 2022, a venda de carros usados foi cinco vezes maior que a de carros novos e a preferência tem sido por veículos com pelo menos 11 anos de rodagem, pois este mercado também está inflacionando. Com a impossibilidade de sentir o cheirinho característico de estofado zerado, resta comprar aqueles sachês com cheiro de carro novo para colocar no velho ou no usado.

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