MST anuncia 4º Feira “para mostrar que é possível fazer diferente”

A 4a. Feira Nacional da Reforma Agrária está sendo realizada em contexto de ataques ao MST e em contraponto à Agrishow, segundo dirigentes do movimento

Foto: Divulgação

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza entre os dias 11 e 14 de maio a 4º edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque Estadual da Água Branca, na Barra Funda, na capital paulista. Suspenso por cinco anos, tanto por motivos políticos como pela pandemia, o maior evento nacional de comercialização dos produtos da Reforma Agrária reúne 1,2 mil feirantes de 23 estados, com a oferta de alimentos saudáveis oriundos dos assentamentos e acampamentos do MST de todo o Brasil. A expectativa é trazer mais de 1,5 mil itens de produtos diversificados, dos mais de 1,2 mil município onde o movimento está organizado.

O retorno do evento ocorre num momento de tensionamento do agronegócio com o movimento e com o próprio Governo Federal. Em entrevista coletiva acompanhada pelo Portal Vermelho, Lucinéia Durães, da direção nacional do MST, e Delwek Matheus, da direção estadual do Movimento em São Paulo, apresentaram o evento e sua importância para o diálogo com a sociedade, mas também comentaram o enfrentamento político que tem feito aos ataques sofridos. O Congresso instalou mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o MST. “Este é um movimento político para colocar o governo Lula e o MST na defensiva”, disse Delwek.

“Dentro do compromisso de expressar os anseios da classe trabalhadora brasileira, o MST nao tem dúvida do compromisso de apoiar o governo Lula, que entende como uma conquista dos movimentos sociais diante dos enormes retrocessos dos últimos anos. O movimento participou do processo de resistência ao golpe e da luta contra a prisão arbitrária do presidente Lula. Não temos dúvida que estamos do lado do governo Lula e do fortalecimento da democracia”, enfatizou Lucinéia.

São mais de 60 mil famílias ainda acampados em área de reforma agrária e mais de 500 mil famílias assentadas em todos os estados brasileiros. Ela afirmou que a pauta da retomada da regularização dos acampamentos e desenvolvimento dos assentamentos é antiga e há “expectativa gigante” com o governo Lula. “Mas sabemos que temos que ter paciência, assim como reafirmamos ao governo Lula que o papel do movimento social é de se organizar para fazer pressão e cobrar o governo, como o próprio presidente sempre diz”, observou.

Segundo a dirigente social, essa tem sido a posição do MST de preservar sua autonomia como movimento social: estar ao lado do governo Lula “sem titubear”, mas seguindo no papel de movimento social na luta pela reforma agrária e a organização da classe trabalhadora.

Ao contrário do que tenta fazer a mídia para colocar o movimento contra o governo, ela também informou que o MST vai participar não apenas do Conselhão, organizado para avaliar e recomendar políticas públicas ao governo federal, como de outros conselhos ministeriais, “tanto para fortalecer o governo, mas também a voz da sociedade organizada e suas pautas”.

Delwek afirmou que a realização da feira com tudo que tem para oferecer é parte de um processo de luta e resistência de quilombolas, povos indígenas e milhares de famílias de agricultores. “O MST faz um enfrentamento ao latifúndio que desmata, que escraviza, que contamina os alimentos, e precisamos demarcar o lado que estamos. Precisamos enfrentar esse modelo que não traz desenvolvimento, traz problemas ambientais e de saúde para a população. Mas nosso compromisso é construir políticas públicas em conjunto com o governo”, declarou.

Ele disse também que o reacionarismo de setores do agronegócio tem evidenciado para a sociedade, em geral, suas preocupações corporativas. “O agronegócio não está preocupado com a produção de alimentos, com a questão ambiental, mas se torna uma força política em disputa pelo poder. Mostra que é um modelo atrasado de desenvolvimento no campo e a população está percebendo. É nessa perspectiva que a nossa feira se contrapõe à Agrishow, para mostrar que é possível fazer diferente”.

Lucinéia lembrou que esta é a quinta CPI na história de 40 anos do Movimento. Ela diz que o movimento mantém a tranquilidade diante de mais este “abuso parlamentar” contra os movimentos sociais. Ela disse que o movimento tem consciência do processo conturbado de golpismo que o país vive, `’um processo mais longo que vai demandar energia”.

“O MST extrapolou a luta pela terra, para se tornar um ideário de projeto popular, e o compromisso com o governo torna esta CPI uma maneira de enfrentar e desgastar o governo Lula. A ausência de um fato determinado revela que este é um movimento da extrema-direita para tentar nos criminalizar, desmoralizar e com consequências no governo”, explicou.

O fato de Tarcísio de Freitas permitir a realização da Feira do MST no Parque da Água Branca, mesmo sendo um opositor do movimento, foi ironizada pelo tom com que o governador deu sua permissão: Deixa o MST fazer sua “feirinha” lá. Para Lucinéia, trata-se de uma falta de conhecimento da dimensão do movimento e de seus eventos. Para ela, esta é uma oportunidade de demonstrar o tamanho da importância do movimento para a cidade e o estado com as caravanas que chegam de todo o país não apenas para expor, mas para também participar.

Segundo Delwek, o Governo do Estado e a Prefeitura estão participando ativamente da organização da Feira, “até porque a questão da reforma agrária é uma política de estado, e não de um governo”. Segundo ele, o secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab, diz que vai visitar a feira, no que será recebido, como qualquer outro gestor público.

Solidariedade e saúde

Delwek destacou que a feira enfoca a solidariedade e não está isolada no tempo, sendo reflexo do processo de construção histórica e do comprometimento da reforma agrária com a função social da terra e dos bens da natureza. “Vivemos esses últimos anos de retrocesso nas políticas publicas para o campo, que atingiu não só a reforma agrária, mas a agricultura familiar como um todo. Certamente isso é muito prejudicial para a questão da alimentação e para a questão da saúde e do meio ambiente”, disse.

Ele ressaltou que, após a feira ter sido impedida de ocorrer no Parque da Água Branca, ela se tornou uma pauta de reivindicação da população paulistana. Os dirigentes ressaltaram a importância desse diálogo com a sociedade brasileira, especialmente durante o período da pandemia, em que houve distribuição de alimentos por todo o país. Há também uma conscientização da importância do alimento orgânico e saudável em contraponto à disseminação do agrotóxico no agronegócio. Portanto, a feira não é apenas um evento comercial, mas cultural e de formação política para uma mudança da matriz produtiva do país.

Matheus ressaltou que os objetivos básicos da feira são expor a importância da reforma agrária, da agricultura familiar, da produção de alimentos saudáveis, a partir de um outro paradigma de produção, que se preocupa com a questão humana, ambiental e principalmente da saúde e da qualidade dos alimentos. “Ela dialoga também com a questão de geração de trabalho e renda no campo e tem um compromisso muito forte com o meio ambiente, porque quando as famílias camponesas produzem têm o compromisso de cuidar dos bens da natureza”, disse.

Comidas típicas

A feira trará ainda a cultura alimentar de diversos estados do Brasil, com comidas típicas de 24 localidades, com 30 cozinhas que produzirão 90 pratos típicos. Além disso, o evento terá atividades culturais com a presença de 300 artistas representando a cultura do povo brasileiro, incluindo Zeca Baleiro, Gabi Amarantos, Jorge Aragão e a escola de samba Camisa Verde e Branco.

No último dia da feira, a organização fará uma doação de 25 toneladas de alimentos. “Será um ato de solidariedade para atender pessoas necessitadas da grande São Paulo. Não são produtos de sobra, de má qualidade, são produtos que traremos especialmente para doação e para mostrar o compromisso do povo do campo com as pessoas da cidade”, explicou Matheus.

Na mesma ocasião foi lançada a Cozinha Escola Pra Brilhar Dona Ilda Martins!, instalada no galpão do MST, na região central da capital paulista. O ministro do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, afirmou que o equipamento é importante dentro do contexto do desafio de tirar o Brasil do mapa da fome.

“Esse é o grande desafio do nosso país. O Brasil já saiu do mapa da fome em 2014, mas a partir de 2016 todas as políticas públicas retrocederam e o Brasil voltou, com 33 milhões de pessoas que precisam ser alimentados. Essa experiência da cozinha solidária precisa ser replicada por todo o Brasil”, ressaltou.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, reforçou a importância do movimento com a produção da agricultura familiar e de alimentos saudáveis e disse que o fortalecimento da diversidade de alimentos no país é positivo para a saúde, economia, além de o MST também ter um papel importante no debate e na identidade cultural do país. “Essa cozinha solidária vai ter um papel importante na formação de pessoas para que se multipliquem cozinhas como essa, opções de geração de renda como essa”.

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