Como Romeu Zema enforcou Tiradentes pela segunda vez

Postagem nas redes sociais do governo Romeu Zema parecia não saber se exaltava ou condenava o mártir da Inconfidência Mineira

Em dezembro de 1994, ao escrever sobre a 22ª Bienal de São Paulo, Daniel Piza virou motivo de escárnio geral. A certa altura de seu artigo, o jornalista comentava, em tom crítico, a instalação  Neo-Gólgota, do búlgaro Luchezar Boyadjiev. O título da obra, segundo Piza, remetia “à história cristã (Gólgota é o local onde Jesus teria sido enforcado)”.

Não é preciso ser leitor da Bíblia nem tampouco especialista em cristianismo para saber como Jesus de Nazaré morreu. Pode-se confundir – vá lá – o local da crucificação, o Monte Gólgota, que é mais conhecido no Brasil como Calvário. Mas trocar a cruz pela forca é um desses descuidos que expõem à vergonha até mesmo um dos melhores jornalistas culturais do País – caso de Piza.

Romeu Zema não é um dos melhores governadores do Brasil, muito menos um mineiro afeito à história de seu estado. Por isso, seus vexames nada têm de descuido ou mera imprecisão. À frente do Palácio Tiradentes desde 2019, o único governante do Partido Novo tem chegado ao noticiário nacional mais pelos deslizes e vexames do que pelos feitos de sua gestão.

Em fevereiro, ao participar de um programa de rádio em Divinópolis (MG), Zema foi presenteado com uma antologia de Adélia Prado, a mais célebre escritora da cidade – e a maior das mulheres poetas nascidas Minas Gerais, ao lado de Bárbara Heliodora e Henriqueta Lisboa. “Ela trabalha aqui?”, perguntou Zema ao apresentador, que não conseguiu disfarçar o constrangimento.

Após o episódio, um deputado estadual, Professor Cleiton (PV), chegou a protocolar um projeto de lei que inclui o ensino da história de Minas Gerais nas escolas públicas. Sua justificativa não podia ser outra: “O fato de existirem mineiros que não sabem quem são ou quem foram essas figuras mostra que o ensino de Minas precisa ser revisto nesse ponto”.

Agora, no feriado de Tiradentes, em 21 de abril, a gafe não partiu apenas de Zema – mas, sim, de sua administração. Uma postagem nas redes sociais do governo parecia não saber se exaltava ou condenava o mártir da Inconfidência Mineira, a quem a gestão Zema tratou como criminoso e golpista.

“A data de hoje recorda a luta dos Inconfidentes mineiros pela liberdade do Brasil e dos brasileiros. Temendo as consequências do golpe à Coroa Portuguesa, os inconfidentes não confessaram seus crimes”, dizia o post. “O único a fazê-lo foi Joaquim José da Silva Xavier, que tornou-se o Mártir Tiradentes ao receber a pena mais dura, em 21 de abril de 1792.”

O tiro que se supunha como homenagem virou bala perdida. Um internauta receitou ao governador a Educação de Jovens e Adultos (EJA): “Se o Zema quiser, na escola estadual que eu trabalho, tem vaga na EJA. Ele e sua equipe precisam”. Outro internauta mineiro emendou: “Zema, pague o piso aos professores e professoras! Tiradentes seria oposição ao seu governo!”.

Para piorar a situação, na mesma sexta-feira (21) Zema concedeu ao senador Sergio Moro (União Brasil-PR) a Medalha da Inconfidência e ao ex-presidente Michel Temer (MDB) o Grande Colar. Quem presta tributo, no principal feriado de seu estado, a um ex-juiz declarado suspeito pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e a um ex-presidente golpista que está no ostracismo? A deplorável publicação oficial estava em sintonia com as escolhas do governador.

“Agora tá explicado por que Zema homenageou traidores do Brasil”, tuitou o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG). “Zema não sabe o que foi a Conjuração Mineira, não sabe que lutar por liberdade não é crime, que defender sua nação não é golpe, não sabe distinguir inocentes de canalhas. Investe em educação, Zema! E volta pra escola!”

Com tanta reação negativa, o governo alterou o texto da publicação, trocando “crimes” por “atos”, mas mantendo a expressão “golpe à Coroa”. Não houve erros básicos de informação, como dizer que Tiradentes foi crucificado, ainda que a tentativa histórica de associar sua imagem à de Cristo possa induzir a confusão. Com Adélia Prado, Zema pecou pela ignorância

Mas o ato falho da gestão Zema reflete, sim, uma releitura histórica que condena, enforca e esquarteja Tiradentes pela segunda vez, não numa tradicional praça pública, como o antigo Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, onde a Corte lhe tirou a vida. Desta vez, a saga de Tiradentes foi alvejada nestas grandes praças modernas que são as redes sociais.

“Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria pelo Brasil”, teria dito o maior dos líderes mineiros antes de ser enforcado. A primeira vida foi entregue pelo delator Joaquim Silvério dos Reis. A segunda vida foi ceifada pelo governo Romeu Zema. Que a sorte das oito vidas restantes seja melhor!

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