Comissão da Anistia quer julgar 6 mil processos em quatro anos

Em entrevista ao Portal Vermelho, o conselheiro Egmar Oliveira, disse que entre as medidas tomadas pelo grupo está a de anular todas as decisões e julgamentos ocorridos na gestão Damares Alves.

Comissão de Anistia realiza primeira sessão do colegiado após anos de descaracterização do uso da Comissão de Estado que luta pela reparação histórica de perseguidos pela Ditadura Militar | Foto: Reprodução YouTube/MDHC

Na última quinta-feira (30), véspera dos 59 anos do golpe de Estado que instalou 21 anos de ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), a Comissão de Anistia realizou sua primeira sessão de julgamento nesta nova fase. Nela, a comissão retoma a análise dos pedidos de indenização de vítimas e presos políticos pelo regime autoritário e objetiva reavaliar os casos negados durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que se declarou a favor do golpe de 64 diversas vezes.

Em razão disso, entre 2017 e 2022, a Comissão de Anistia foi descaracterizada do seu conceito original e suas funções. Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, o advogado e conselheiro da comissão, Egmar Oliveira, explica que, a partir de 2017, no então governo Michel Temer (MDB), a Comissão de Anistia foi sendo desconfigurada, deixando de ser uma comissão de Estado para ser de governo. E atingiu o ápice dessa transformação no período Bolsonaro (2019-2022).

Uma das primeiras medidas adotadas pelo governo Lula foi a desmilitarização da Comissão e a retomada como uma comissão de Estado. Ao tomar posse, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), Sílvio Almeida, afastou os militares – indicados obviamente pelo ex-presidente – do colegiado e todos os que pretendiam modificar o entendimento de que houve perseguição, torturas e assassinatos contra os que se opunham ao governo ditador da época.

Lula recompôs a Comissão de Anistia através da Portaria 31/2023. Segundo o MDHC, os 23 novos conselheiros e conselheiras têm “experiência técnica, em especial, no tratamento do tema da reparação integral, memória e verdade”. Também conduziu ao cargo de presidente da Comissão a professora Eneá de Stutz e Almeida, especialista em Justiça de Transição, Estado de direito, democracia e direitos humanos. Ela já foi conselheira da Comissão.

Deste janeiro o MDHC vem realizando várias atividades para retomada das agendas institucionais de preservação da memória, da verdade, da luta pela democracia e justiça social, como a “Semana do Nunca Mais – Memória Restaurada, Democracia Viva”, que aconteceu entre os dias 24 de março e 2 de abril visando resgatar a memória da repressão ocorrida no Brasil durante a ditadura.

A importância da Comissão da Anistia

A Comissão, criada em 2001 através de uma Medida Provisória e convertida na Lei nº 10.559, que regulamentou o Artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ACDT), da Constituição Federal e tem como função básica, única e exclusiva, apreciar os requerimentos das pessoas que foram perseguidas pelo Estado brasileiro durante o período de 1946, da promulgação da constituição de 46, até a promulgação da constituição de 1988. Nesse período, qualquer pessoa vítima do estado brasileiro pode requerer a declaração da sua condição de anistiado político. “E se ela teve algum prejuízo, a Comissão [da Anisitia] repara”, diz Egmar.

Decisões da gestão Damares são nulas

Ao Portal Vermelho, o advogado diz que atualmente, existem cerca de seis mil processos para serem julgados. Apesar de parecer pouco, vale lembrar que a Comissão da Anistia foi criada em 2001 e desde então recebe requerimentos para que, comprovados os fatos que a pessoa alega, determinar a reparação integral das vítimas. Para fazer valer, os requerentes devem provar a perseguição por motivação exclusivamente política. Se for provado, a pessoa recebe a Declaração de Anistia Política, que pode ter efeitos financeiros ou não.

Egmar diz que a quantidade de processos faz jus à forma como os novos integrantes encontraram a Comissão: “extremamente sucateada, sem estrutura nenhuma, sem pessoal, totalmente detonada pela gestão da ex-ministra Damares Alves”. Por isso, segundo ele, uma das medidas mais importantes do ponto de vista administrativo, e que vai impactar o trabalho, foi o de anular todas as decisões e julgamentos ocorridos na gestão Damares.

“Tomamos essa decisão porque os julgamentos ocorridos nesse período afrontaram a Constituição Federal e, em razão disso, vamos anular todos os julgamentos ocorridos nesse período. Por isso o grande número de processos que devem ser apreciados pela Comissão”.

De acordo com a publicação do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, 8.941 processos de indenização de pessoas que foram presas e ou sofreram algum tipo de perseguição política durante a ditadura militar foram indeferidos durante o governo Bolsonaro pela Comissão de Anistia.

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Expectativas e falta de recursos

De acordo com o conselheiro, a expectativa é julgar todos os processos nos próximos quatro anos. Egmar explica que quando a Comissão era vinculada ao Ministério da Justiça, tinha uma dotação orçamentária própria, de acordo com os recursos do Ministério. Já a dotação orçamentária do Ministério dos Direitos Humanos é muito pequena, e a Comissão da Anistia, que está vinculada ao gabinete do ministro dos Direitos Humanos, sequer tem previsão orçamentária.

Para contornar essa situação, os conselheiros e conselheiras visitaram os parlamentares do Congresso Nacional em busca de apoio material. “Por exemplo, eu e mais quatro conselheiras estivemos reunidos com as deputadas Jandira Feghali, líder do PCdoB, Alice Portugal e Daiane Santos e com o deputado Daniel Almeida. Prontamente a deputada Jandira se dispôs a fazer um trabalho com a bancada do PCdoB, e com outros parlamentares, no sentido de arrecadar recursos para dotação orçamentária da Comissão da Anistia”.

Ele diz que a expectativa com esse trabalho é grande. “A decisão política de toda Comissão é de cumprir esse papel histórico e relevante de reparação, de busca da verdade, mas nós esbarramos essa questão material. Nós esperamos que possamos suprir essas dificuldades e no final dos quatro anos ter apreciado todos esses processos.”

Reparação

Egmar explica que a Comissão possui duas vertentes importantes. “A primeira é a apreciação dos requerimentos de uma pessoa que foi presa, torturada, exilada, ou que viveu parte da sua vida na clandestinidade, ou o estudante que foi banido de uma universidade com base no decreto 477, um operário, um trabalhador, um professor ou um intelectual, jornalista, enfim, que perdeu seu emprego por motivação política. A Comissão da anistia a reconhece como vítima da ditadura e declara essa pessoa uma anistiada política e pede a ela perdão por todos as mazelas causadas pelo Estado”.

“Esse é um aspecto importante porque com esse ato simbólico do estado brasileiro ela se sente recompensada, pelo menos em parte, aliviada de todo sofrimento que passou durante o período da ditadura militar. Esse é o primeiro”, afirma.

O conselheiro diz que o Estado brasileiro também precisa reparar os danos causados às pessoas, senão totalmente, pelo menos em parte. “A Comissão da Anistia não repara em hipótese alguma todo o prejuízo que as pessoas sofreram. É impossível mensurar a dor e o sofrimento de uma pessoa que foi submetida à tortura por dias a fio; mensurar o sofrimento de uma pessoa que foi compelida a viver dez, cinco, oito anos da clandestinidade, longe de seus familiares e você também não pode mensurar também a dor de uma pessoa que foi compelida se exilar, a sair do seu país”, acredita.

Para minimizar essa situação, o Estado procura estabelecer uma reparação pecuniária e ela tem duas modalidades: a de prestação única e a modalidade da prestação mensal permanente e continuada.

A prestação única visa ressarcir, por exemplo, o estudante que foi banido da universidade com base no decreto 477 e ficou proibido de ingressar numa universidade pública federal ou estadual durante cinco anos. Para ele, a Comissão estabelece a cada ano de perseguição uma indenização de 30 salários-mínimos. Então, para cinco anos, cento e cinquenta salários-mínimos limitado ao teto de 100 mil reais. Esta é a prestação única.

Já a prestação mensal permanente e continuada é para aquelas pessoas que, além da perseguição, foram presas e, ainda que não condenadas, em razão dessa perseguição perderam seus empregos. Como jornalistas, médicos, funcionários públicos, por exemplo. Para essas pessoas a lei fixa e estabelece uma prestação mensal permanente e continuada no cargo que ela exercia na época. “Ela vai receber um salário mensal pro resto da vida da sua vida”.

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com informações de agências

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