Comissão da Anistia indeferiu quase 9 mil pedidos no governo Bolsonaro

Decisões começaram a passar por nova avaliação pelos novos membros do colegiado

Foto de Clarice Castro - Ascom/MDHC

Nada menos que 8.941 processos de indenização de pessoas que foram presas e ou sofreram algum tipo de perseguição política durante a ditadura militar (1964-1985) foram indeferidos durante o governo de Jair Bolsonaro pela Comissão de Anistia. O número foi levantado pelo repórter Manuel Marçal do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, via Lei de Acesso à Informação. Agora, essas decisões começaram a passar por nova avaliação pela nova Comissão da Anistia designada pelo ministro Sílvio Almeida, em janeiro, 59 anos após o golpe militar. 

Para negar o pedido de reparação integral, que inclui o pagamento de indenização de até R$ 100 mil e um pedido formal de desculpas do Estado brasileiro, a Comissão de Anistia do governo Bolsonaro buscava desqualificar o relato das vítimas, segundo a atual presidente do colegiado, Enéa de Stutz e Almeida.

“A pessoa entrou com requerimento para ter um acolhimento do Estado e ter a assunção, pelo Estado, do erro de ter sido perseguido, e recebeu, na cara, um ‘bem feito, você mereceu ter sido perseguido’. Se a pessoa foi presa ou torturada, a culpa era dela. Se ela tinha perdido emprego (por perseguição política), a mesma coisa. Nada tinha justificativa para conceder a anistia para quem negava o golpe e a perseguição política”, observou Eneá de Stutz.

Após seis anos sem compromisso com o Estado democrático, a Comissão de Anistia reuniu-se no dia 30/3 – Clarice Castro – Ascom/MDHC

No último dia 30 de março, quem teve a decisão revertida foi o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) obteve a condição de anistiado político e recebeu um pedido de desculpas do Estado. Ele denunciou ter sido preso e torturado pelos militares, mas ano passado, a Comissão da Anistia, formada em sua maioria por aliados do ex-presidente, negou o deferimento, sob anuência da então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que atualmente é senadora pelo Republicanos (DF). O caso foi motivo de chacota por Bolsonaro, que chegou a ironizar também a indeferimento de indenização à ex-presidente Dilma Rousseff, que foi presa e torturada durante a ditadura.  

“No dia em que recebi minha anistia das falsas acusações feitas pelo regime de ódio da ditadura militar, quero homenagear a todas e todos que estiveram nessa luta e em especial aos mortos e desaparecidos. Nunca esqueceremos para que nunca mais se repita”, escreveu Ivan Valente pelas redes sociais. Ele recebeu uma reparação financeira de R$ 2 mil pelo por não ter podido continuar sendo professor de matemática no ensino básico, após viver cinco anos na clandestinidade.  

A ex-militante do grupo Ação Popular Cláudia de Arruda Campos, teve seu caso reavaliado após o indeferimento de seu pedido, em 2019. Durante a ditadura, ela foi presa no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e foi constantemente monitorada pelo regime. A concessão de seu pedido de anistia foi negada pelo general Luiz Eduardo Rocha Paiva, que integrava a comissão na época. 

O caso do ex-sindicalista José Pedro da Silva, atualmente o mais idoso entre os que têm seus processos revistos, com 80 anos, envolve uma história de perseguição por sua atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco (SP), na década de 1970. Ele chegou a ser preso e foi demitido. Em 2018, teve sua anistia concedida pela comissão, mas seu requerimento foi negado por Gilson Libório, então ministro da Justiça substituto do governo de Michel Temer. A prática de revisão de pedidos aprovados pela Comissão de Anistia foi posteriormente adotada durante a gestão de Damares Alves à frente do Ministério. 

Já o jornalista Romário Schettino teve o caso reavaliado para atualização monetária de sua indenização. Ele teve seu pedido aprovado pela Comissão de Anistia, mas os últimos governos nunca publicaram a portaria oficializando a concessão. 

O caso da ex-presidente Dilma Roussef, segundo explicou Enéa de Stutz, vai demorar a ser analisado. “O Regimento Interno estabelece um critério para a ordem de julgamento. Como o caso dela foi julgado ano passado, se houver recurso, vai entrar na fila e já tem um tanto de recursos que começaram em 2019”.  

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