Livro mostra luta dos povos indígenas frente à barbárie dos anos 2017-2022

“Povos Indígenas no Brasil”, do ISA, faz uma radiografia da riqueza cultural e das várias lutas travadas pelas populações originárias em defesa da vida e de seus direitos

Lideranças indígenas Sandra Benites, Watatakalu Yawalapiti, Vanda Witoto e Txai Suruí lançam livro em São Paulo. Foto: Claudio Tavares/ISA

O Instituto Socioambiental (ISA) lançou, nesta terça-feira (21), a publicação “Povos Indígenas no Brasil – 2017/2022”, que traz um panorama da situação vivenciada por essa população num dos piores períodos vivenciados pela República brasileira, sobretudo para os direitos humanos, dos povos originários e para o meio ambiente.

Em sua 13ª edição, o livro conta com mais de 100 artigos e depoimentos de diversas lideranças que tratam de temas como associações e políticas indígenas, legislação, demarcação de Terras Indígenas, gestão, manejo e proteção territorial e ambiental, pressões e ameaças impostas pelo avanço de grandes projetos de infraestrutura, desenvolvimento econômico e político, educação, saúde pública, cultura e patrimônio e sobre os impactos da Covid-19 para essas populações. 

Ao radiografar a realidade atual desses povos, a publicação traz ainda dados demográficos que também explicitam a riqueza e diversidade das populações originárias. Informações do Censo do IBGE do final de 2022 mostram que o Brasil tem 1.489.003, divididos em 266 etnias que falam mais de 160 línguas.

“O quebra-cabeça que aqui se apresenta é uma contribuição para o entendimento da imensa sociodiversidade indígena, montado com a ajuda de uma extensa rede de colaboradores indígenas, indigenistas, antropólogos, linguistas, profissionais de saúde e educação, jornalistas, fotógrafos, entre outros. Esta é uma obra de referência que apresenta um resumo comentado da política indigenista, da política indígena, dos conflitos e da situação jurídica das Terras Indígenas. O volume atual compreende o período que vai de 2017 a 2022, um dos mais conturbados da história indígena pós-redemocratização”, diz a apresentação do livro. 

A publicação lembra que “ao longo dos últimos seis anos, quatro deles governados por Bolsonaro e dois sobrepostos a uma intensa crise pandêmica, os povos indígenas resistiram sistematicamente ao método genocida aplicado por um governo anti-indígena. O aparelho do estado foi utilizado contra os territórios e os corpos originários em nome de uma ordem e um progresso assassinos”.

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Depoimentos e artigos

Num dos depoimentos que compõem o livro, Maurício Ye’kwana, um dos diretores da hutukara Associação yanomami (hAy), destaca: “Um pedacinho foi entregue para nós morarmos com tranquilidade, alegria e saúde. E esse pedacinho hoje está sendo afetado por essa grande invasão ilegal de garimpo dentro da Terra Indígena (TI) Yanomami. Nosso território era para ser preservado, era para ser moradia para todos nós, não era para existir essa invasão ilegal à TI Yanomami. O território é uma área que já está demarcada, já foi entregue para a gente, para que a gente possa viver tranquilo, para que outras pessoas não possam entrar”. 

Artigo assinado pelo antropólogo Tiago Moreira dos Santos, do ISA, lembra que “durante o governo Bolsonaro, assistimos a um desmonte da estrutura de proteção dos territórios de povos indígenas isolados. Além disso, houve mudanças normativas, como a Instrução Normativa n° 09 de 16 de abril de 2020, assinada pelo presidente da Funai, que permitiu que propriedades privadas fossem declaradas no interior das terras que abrigam povos indígenas isolados. Essa instrução normativa fragilizou ainda mais a condição das terras indígenas com portaria de interdição, mecanismo utilizado para a proteção de territórios com povos isolados até a demarcação definitiva da área”. 

Outra importante evidência da situação de vulnerabilidade vivida pelos indígenas, sobretudo durante a pandemia, é exposta em artigo assinado em conjunto por Ana Lucia de Moura Pontes e Andrey Moreira Cardoso, da Fiocruz, e Mariana Maleronka Ferron, da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. 

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O artigo aponta que “passados pouco mais de dois anos da introdução da Covid-19 no Brasil, diversas análises evidenciam os graves e desiguais impactos da pandemia nos povos indígenas, particularmente durante o ano de 2020. A análise das razões entre taxas (RT) de mortalidade acumuladas por Covid-19 segundo grupos etários em indígenas e não indígenas, até final de agosto de 2020, demonstra um excesso de pelo menos 50% na mortalidade indígena em praticamente todas as faixas etárias, com destaque para os mais jovens”. 

Além disso, diz, no mesmo período, “a letalidade hospitalar indígena por covid-19 confirmada laboratorialmente (SRAG-covid-19) excedeu em 19% a de não indígenas, sendo esse diferencial maior nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde há maior concentração de populações indígenas. A letalidade hospitalar nos primeiros meses da pandemia mostrou-se mais elevada em indígenas do que nas das demais categorias de raça/cor em praticamente todas as faixas etárias, com exceção da faixa etária entre 60 e 69 anos”. 

Apesar de todas as adversidades, o livro ressalta que os povos indígenas mostraram sua força ao ampliar sua mobilização e fazer frente aos mais diversos ataques perpetrados. 

“Nos últimos anos, fase mais desafiadora da história para as conquistas socioambientais após a Constituinte, o movimento indígena, na luta por seus direitos, com a beleza, complexidade e força de suas (r)existências, intensificou sua repercussão no contexto nacional e internacional. E as mulheres indígenas, com sua sensibilidade, força, organização, perspectivas e entendimento prático da coletividade, foram imprescindíveis para esse reconhecimento”, diz artigo assinado por Beatriz Moraes Murer e Silvia de Melo Futada, ambas do ISA. 

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