Parlamentares investem em projetos contra a comunidade LGBTQIAP+

Reportagem do Globo mostra que existem 68 propostas em tramitação no Congresso, estados e municípios que reproduzem preconceitos e intolerância.

Foto: Raphael Renter/Unsplash

Um levantamento feito pelo jornal O Globo e publicado nesta segunda-feira (20) identificou 68 propostas em tramitação no Congresso, estados e municípios que miram direitos e trazem proibições associadas a temas inerentes a comunidade LGBTQIAP+.

O recente episódio envolvendo o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que colocou uma peruca para discursar contra mulheres trans no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 8 de março, deixou ainda mais clara a estratégia usada por parlamentares bolsonaristas de atacar a Comunidade a fim de mobilizar a militância conservadora nas redes sociais. Além das falas preconceituosas, deputados e vereadores também recorrem à apresentação de projetos de lei sem embasamento científico, reproduzindo preconceitos e intolerância.

De acordo com O Globo, os textos que circulam em Brasília; em 17 assembleias estaduais e seis câmaras municipais, têm pouca chance de serem aprovados e abrem margem para contestação judicial, seja porque são inconstitucionais ou fogem das atribuições legislativas — há ainda falsas afirmações nas justificativas. Além disso, mais da metade foi apresentada por integrantes do PL, partido de Jair Bolsonaro, e do Republicanos, partido ligado à Igreja Universal.

Com 16 menções o tema que aparece em primeiro lugar – e foi muito usado no discurso de Nikolas – é a tentativa de proibição de banheiros unissex ou transgênero em espaços públicos e comerciais. A premissa parte de situações hipotéticas de abuso, sem estatísticas e casos concretos, e miram pessoas trans.

Imagem: O Glogo

Outro tema de grande relevância é a proibição do uso de hormônios e bloqueadores para transição de gênero em menores de idade. O assunto é regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e estabelece que o processo hormonal cruzado, onde há uso de testosterona, estrogênio e antiandrógeno, só pode ser iniciado a partir dos 16 anos e os procedimentos cirúrgicos de adequação são permitidos somente aos 18 anos.

Ao Globo, o advogado e especialista em crime de homofobia, Thiago Jordace explica que o bloqueio hormonal e todas as etapas da transição de gênero não são de competência das casas legislativas, mas de órgãos ligados à comunidade médica. Ele ressalta ainda que projetos que tentam proibir a união homoafetiva, a adoção e outros direitos adquiridos são inconstitucionais por violarem o princípio de vedação ao retrocesso.

“Mesmo que uma lei como essa seja aprovada, não teria valor algum. Os deputados protocolam os projetos com o simples propósito de agradar seus eleitores extremistas.”, disse.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a LGBTfobia aos crimes raciais, aplicando as mesmas penas. Segundo o advogado, por não terem um alvo específico, os posicionamentos dos parlamentares não podem ser enquadrados no crime de injúria, mas podem ser punidos por quebra de decoro pelas respectivas casas.

Dani Balbi | Julia Passos/Divulgação

Dani Balbi (PCdoB), primeira deputada trans eleita para a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), diz que os parlamentares usam a transfobia como parte de seu compromisso político: “o meu mandato é para fazer prosperar os direitos das pessoas LGBTQIAP+ e a luta pela cidadania. A resposta é o extremo oposto, com projetos transfóbicos, mesmo sem embasamento legal.”, falou.

Nas assembleias e câmaras municipais, também tramitam textos que afrontam princípios constitucionais já balizados por decisões do STF. São os casos de tentativas de proibições da linguagem neutra e debates sobre gênero no âmbito escolar. O entendimento é que são atribuições federais, normas gerais sobre diretrizes e bases da educação e que tratem de currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino ou modo de exercício da atividade docente.

“As propostas anti-LGBT+ não têm embasamento científico e ganham legitimidade com o formato de projeto de lei. Buscam criar a noção de que há grupos ameaçando a estabilidade e existem parlamentares lutando contra isso. As plataformas digitais funcionam como uma câmara de eco”, diz o advogado e antropólogo Lucas Bulgarelli, diretor do Instituto Matizes, organização de pesquisa LGBTI+, ao jornal.

O caso de Nikolas Ferreira exemplifica o enorme potencial de engajamento nas redes. Após seu discurso absurdo na Câmara, o parlamentar ganhou 317 mil seguidores no Instagram entre 8 e 15 de março, de acordo com dados do CrowdTangle, plataforma de monitoramento da Meta. Desde que sua página na plataforma foi criada, em 2019, só houve crescimento superior durante as eleições passadas.

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Fonte: O Globo
Edição: Bárbara Luz

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