Por que revogar o Novo Ensino Médio?

Espera-se que o atual governo abra canais de debates e negociações que considerem a revogação e/ou revisão da Base Nacional Comum Curricular e seus derivados

(Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília)

O início do ano letivo de 2023 veio acompanhado de debates acalorados em relação ao Novo Ensino Médio (NEM). Dentre outras mudanças, é possível identificar na nova estrutura curricular a exclusão ou redução na oferta de disciplinas como História, Geografia, Filosofia e Sociologia, o que tem gerado insatisfação dos professores, dentre outras questões, por não terem recebido formação adequada para trabalhar com o conhecimento dividido em áreas.

Mas como revogar o Novo Ensino Médio sem revogar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)? Afinal, o primeiro é “filho” da segunda. Na prática, todas as normativas curriculares que dizem respeito à educação brasileira são definidas pela BNCC.

Não restam dúvidas de que em um país continental como o Brasil faz-se necessário que se tenha a fixação de “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”, conforme previsto na Carta Constitucional de 1988. A determinação constitucional foi ampliada pela Lei de Diretrizes e Bases (1996): “os currículos da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio devem ter base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino de em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada…” (grifo nosso).

O amparo legal da Base Curricular é referenciado, ainda, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2010, que destacam a importância que a educação brasileira deve dar à “valorização das diferenças e o atendimento da pluralidade e da diversidade cultural” (Parecer do CNE/CEB n° 7/2010). O quarto marco legal da BNCC é o Plano Nacional de Educação que destaca a necessidade de um Pacto Federativo entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para efetivar a educação básica e a base nacional comum dos currículos”.

É, portanto, legal e razoável que o Brasil tenha uma base mínima curricular que possa nortear a educação nacional, o que não se concebe é que seja uma “Base” imposta, no dizer popular, “goela abaixo”, por um Estado autoritário mais interessado em atender às necessidades mercadológicas constituídas no processo de mundialização da economia neoliberal do que preocupado com nossas diferenças, que vão muito além das diversidades territoriais.

É fato que para enfrentar o mundo globalizado é indispensável o planejamento da educação nacional, inclusive no que diz respeito às suas prescrições curriculares. Um país como o Brasil, no qual 29,4 % da população estão abaixo da linha da pobreza, é urgente uma política educacional que considere a inserção desse contingente populacional em condições sustentáveis nos espaços sociais, econômicos e culturais.

O que se percebe, no entanto, com a efetivação do NEM, última etapa de consumação da BNCC, é que os grupos sociais tradicionalmente excluídos socialmente são bombardeados pelo discurso da autonomia, uma vez que agora podem escolher seus próprias itinerários formativos. Ou seja, a partir do segundo ano eles podem optar por estudar determinadas áreas em detrimento de outras, como Ciências Humanas e Sociais Aplicadas em detrimento de Ciências da Natureza e Suas Tecnologias ou vice-versa.

Essa “livre escolha”, lembrando que os sistemas e escolas é que definem os “cardápios” ofertados, torna-se perigosa, tendo em vista a possibilidade de naturalizar o tratamento discriminatório dos diferentes e alimentar os fenômenos estruturais que embasam nossas desigualdades abissais. Ou seja, corre-se o risco de miserabilizar e estigmatizar ainda mais os que já são miseráveis e estigmatizados.

Na prática, os estudantes são transformados em “usuários”, ou “consumidores”, que terão a “liberdade” de escolher a educação que lhes for mais adequada conforme as necessidades por eles julgadas mais urgentes. O perigo é que os itinerários sejam escolhidos por serem considerados “mais fáceis”. Para os brasileiros mais pobres, a opção por determinados itinerários significa excluir a possibilidade de acesso à parte significativa da produção científica, tecnológica e cultural da humanidade, tendo em vista que a escola pode ser, talvez, o único lugar possível desse acesso em toda sua vida.

Destaque-se que a construção da Base teve início de forma democrática, com a possibilidade de pessoas, instituições e a sociedade de forma geral opinar em sua elaboração. A partir de 2016 foi dado um novo direcionamento, que colocou sob suspeição os atores educacionais, notadamente os professores, acusados de corporativistas e indispostos a saírem de suas “zonas de conforto”.

Na atual configuração do governo brasileiro, espera-se que sejam abertos canais de debates e negociações que considerem a revogação e/ou revisão da Base Nacional Comum Curricular e seus derivados, como BNC-formação de professores e o Novo Ensino Médio. O Brasil precisa ter uma Base que tenha a cara do Brasil e não dos interesses neoliberais de órgãos internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).    

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