Carta de Lula à Unesco pede ambiente digital que fortaleça a democracia

Mensagem foi lida na abertura do evento “Internet for Trust”, em Paris, e destaca a necessidade de um esforço global para combater a desinformação.

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Nesta quarta-feira (22) começou em Paris, França, o evento “Internet for Trust” (Por Uma Internet Confiável), organizado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou uma carta aberta para a Diretora-Geral da UNESCO, Audrey Azoulay, que foi lida na abertura da conferência.

O conteúdo do texto reforça a necessidade por um esforço global para que as plataformas digitais garantam o fortalecimento dos direitos humanos, da democracia e do estado de direito.

Mais de três mil representantes de governos, órgãos regulatórios, empresas digitais, universidades e sociedade civil participam do evento, aponta a entidade. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, a jornalista Patrícia Campos Mello e o digital influencer Felipe Neto participam do encontro que também reúne vencedores do prêmio Nobel, como a jornalista filipina Maria Ressa, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 2021.

Com a conferência espera-se o começo da construção de um documento internacional com diretrizes para a regulação das plataformas digitais de modo que se combata a desinformação, discursos de ódio e teorias da conspiração.

Defesa da democracia

Na carta, Lula destaca que os benefícios trazidos pelas plataformas digitais “estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social”. Esta situação fez com que se acentuasse os riscos à democracia, à convivência civilizada entre as pessoas e à saúde pública.

Entre as situações apontadas é destacada as desinformações disseminadas durante a pandemia de covid-19, que contribuíram para milhares de mortes.

Outra referência da carta de Lula são os ataques que ocorreram às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

“O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.”

Com estas indicações, Lula conclamou a comunidade internacional a trabalhar para oferecer respostas para as questões referentes aos ambientes digitais no sentido de buscar equilíbrio entre a liberdade de expressão individual e o direito de a sociedade em receber informações confiáveis.

Para este desafio, o presidente do Brasil pede transparência e participação social para a construção de diretrizes que regulem a área. No texto também é trazida a perspectiva do desenvolvimento e da soberania dos países em desenvolvimento neste processo, para que não sejam apenas “exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos”, completa.

Confira abaixo a íntegra da Carta:

Carta do presidente da República à diretora-geral da Unesco

À Sua Excelência a Senhora
Audrey Azoulay
Diretora-Geral da UNESCO

Senhora Diretora-Geral,

Gostaria de agradecê-la pelo convite para participar da Conferência Global da UNESCO que será realizada em Paris entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2023.

As plataformas digitais, em suas diferentes modalidades, são parte fundamental de nosso dia-a-dia. Elas definem a maneira como nos comunicamos, como nos relacionamos e como consumimos produtos e serviços. O desenvolvimento da internet trouxe resultados extraordinários para a economia global e para nossas sociedades. As plataformas ajudam a promover e difundir o conhecimento. Facilitam o comércio. Aumentam a produtividade. Ampliam a oferta de serviços e a circulação de informações.

Esses benefícios, no entanto, estão distribuídos de maneira desproporcional entre as pessoas de diferentes níveis de renda, ampliando a desigualdade social. O ambiente digital acarretou a concentração de mercado e de poder nas mãos de poucas empresas e países. Trouxe, também, riscos à democracia. Riscos à convivência civilizada entre as pessoas. Riscos à saúde pública. A disseminação de desinformação durante a pandemia contribuiu para milhares de mortes. Os discursos de ódio fazem vítimas todos os dias. E os mais atingidos são os setores mais vulneráveis de nossas sociedades.

O mundo todo testemunhou o ataque de extremistas às sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do Brasil no último 8 de janeiro. Ao fim do dia, a democracia brasileira venceu e saiu ainda mais forte. Mas nunca deixaremos de nos indignar com as cenas de barbárie daquele domingo.

O que ocorreu naquele dia foi o ápice de uma campanha, iniciada muito antes, que usava, como munição, a mentira e a desinformação. E tinha, como alvos, a democracia e a credibilidade das instituições brasileiras. Em grande medida, essa campanha foi gestada, organizada e difundida por meio das diversas plataformas digitais e aplicativos de mensagens. Repetiu o mesmo método que já tinha gerado atos de violência em outros lugares do mundo. Isso tem que parar.

A comunidade internacional precisa, desde já, trabalhar para dar respostas efetivas a essa questão desafiadora de nosso tempo. Precisamos de equilíbrio. De um lado, é necessário garantir o exercício da liberdade de expressão individual, que é um direito humano fundamental. De outro lado, precisamos assegurar um direito coletivo: o direito de a sociedade receber informações confiáveis, e não a mentira e a desinformação.

Também não podemos permitir que a integridade de nossas democracias seja afetada pelas decisões de alguns poucos atores que hoje controlam as plataformas. A regulação deverá garantir o exercício de direitos individuais e coletivos. Deverá corrigir as distorções de um modelo de negócios que gera lucros explorando os dados pessoais dos usuários. Para ser eficiente, a regulação das plataformas deve ser elaborada com transparência e muita participação social. E no plano internacional deve ser coordenada multilateralmente. O processo lançado na UNESCO, tenho certeza, servirá para construção de um diálogo plural e transparente. Um processo que envolva governos, especialistas e sociedade civil.

Ao mesmo tempo, devemos trabalhar para reduzir o fosso digital e promover a autonomia dos países em desenvolvimento nessa área. Precisamos garantir o acesso à internet para todos, fomentar a educação e as habilidades necessárias para uma inserção ativa e consciente de nossos cidadãos no mundo digital. Países em desenvolvimento devem ser capazes de atuar de forma soberana na moderna economia de dados, como agentes e não apenas como exportadores de dados ou consumidores passivos dos conteúdos.

Esta conferência na UNESCO é o início de nosso debate, e não seu ponto final. Estou certo de que o Brasil poderá contribuir de forma significativa para a construção de um ambiente digital mais justo e equilibrado, baseado em estruturas de governança transparentes e democráticas.

Aproveito a oportunidade para apresentar os votos de minha mais alta estima e consideração.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República Federativa do Brasil

Assista como foi a abertura da Conferência, com a leitura da Carta enviada por Lula e a participação de Felipe Neto em mesa com a Nobel da Paz, Maria Ressa.

*Com informações Unesco