Estado e empregabilidade de travestis e transexuais

“Segundo estudo da Fapesp, em 2020, apenas 13,9% das mulheres transexuais em idade laboral possuíam emprego formal”

Foto: Marcello Camargo/Arquivo/Agência Brasil

Que a vida do povo brasileiro não anda fácil, a gente sabe. Fome, pobreza, desemprego e subemprego são a herança de uma gestão desastrosa do país nos últimos quatro anos, em especial durante a pandemia da Covid-19. E se vimos negligenciadas ou mesmo desmontadas políticas públicas de geração de emprego, renda e de incentivo ao empreendedorismo, resta em destaque as especificidades que restringem às pessoas transexuais e travestis de acessarem o mercado de trabalho e a urgência de que o Poder Público assuma o protagonismo na articulação para mudar este cenário.

Segundo estudo da Fapesp, em 2020, apenas 13,9% das mulheres transexuais em idade laboral possuíam emprego formal. Já em 2021, relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), revelou que a média de idade nos casos de pessoas trans e travestis expulsas de suas famílias era de 13 anos, e que se a cada 48 horas uma delas foi assassinada, a média de idade das vítimas era de 27,7 anos. Alguém poderia perguntar: sim, mas o texto não é sobre empregabilidade? Explico: é que 70% dos assassinatos são de pessoas travestis e transexuais que trabalhavam como profissionais do sexo, ou seja, o acesso a trabalho formal é uma questão de vida ou morte para elas, literalmente!

Existem diversas iniciativas da sociedade civil organizada para tentar contribuir com este verdadeiro genocídio. Há também empresas parceiras e pessoas solidárias com a situação que fazem pontes com as empresas, ajudam na elaboração de currículos, encaminham para entrevistas. Na esfera pública, de forma dispersa e muitas vezes descontinuada por se tratarem de políticas de Governo e não de Estado, também ocorrem ações que visam garantir emprego e renda para esta parcela sofrida da população. 

Da parte do Poder Púbico, considerando a multiplicidade de fatores que relegam as pessoas travestis e transexuais ao desemprego, vulnerabilidade social, preconceito, violência e assassinato, não serão apenas as medidas pontuais e dispersas que poderão dar um encaminhamento efetivo para a mazela, ou corre-se o risco, na maior boa vontade, de validar a afirmação do jornalista norte-americano H. L. Mencken: “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e totalmente equivocada” – ou insuficiente, paliativa. 

Para se enfrentar o problema em seu cerne e de forma assertiva é fundamental olhar a questão para além do não acesso ao emprego, que é um agravante importante na situação de vulnerabilidade e risco de morte. 

Se a maioria dos casos de expulsão dessas pessoas da casa de suas famílias acontece em idade escolar, subentende-se que isso compromete sua formação escolar e profissional, cabendo políticas públicas próprias na área de educação.  A acolhida destas adolescentes, retiradas do convívio familiar, fica a cargo de entidades religiosas subsidiadas pelas áreas de assistência social do Estado? Existem políticas públicas específicas no Sistema Único de Assistência Social – SUAS? 

Se o fundamentalismo religioso é, via de regra, fator significativo da motivação do expulsamento de seus lares pelos pais, de reafirmação do preconceito e  de não-aceitação própria, cabem políticas públicas próprias de assistência social que as protejam. 

Para as pessoas travestis e transexuais em situação de rua e drogadição, mais distantes ainda de uma oportunidade de emprego, a afirmativa anterior serve igualmente: não adianta mandar essas pessoas para chácaras de recuperação tocadas por igrejas, igualmente subsidiadas, para capinarem, rezarem e ouvirem dia após dia que serem como são é pecado. Cabe, também, implementar ações estatais próprias e específicas.

E quem, vítima da aridez de políticas públicas próprias, teve como único caminho para sobreviver a prostituição, como andam as políticas de saúde e segurança? Não basta entregar camisinha na esquina ou colocar a PM para fazer ronda.

Sobre o emprego em si, para além de fomentar um ambiente empresarial que disponibilize vagas para pessoas travestis e transexuais desempregadas, é essencial construir relação com essas pessoas, gerando um ambiente público acolhedor e que proporcione perspectiva, que dê resultado. Há, inclusive, que se implementar uma política de capacitação para o conjunto de servidores dos mais diversos setores que atuarão nas políticas específicas e transversais de atendimento à população trans e travesti, compreendendo que o preconceito é construção social e o fato de passar em concurso não faz com que isso se desfaça internamente, como escamas que caem milagrosamente dos olhos e o sujeito torna a enxergar. 

Ao fim e ao cabo, para que sejam dados passos concretos para atacar as condicionantes que perpetuam a vulnerabilidade das pessoas travestis e transexuais, é preciso que o Estado entre em campo, mas com desejo sincero, compromisso, coragem, articulação e orçamento! Sob nova direção, o Brasil já devolveu a quem mais precisa algo essencial, que é a esperança de um futuro melhor, o sentimento de pertencimento renovado, a confiança para criar expectativas e a liberdade para cobrar ações efetivas, e no ponto em questão, tendo em vista que 86% da população LGBTQIA depositou todos seus sonhos e anseios no projeto vitorioso de País.

Autor