Fundo Amazônia recebe doação de R$ 3,3 bi, com prioridade para proteção indígena

O valor foi anunciado pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante; a prioridade é a proteção dos yanomamis

Foto: André Telles/Divulgação BNDES

Em processo de retomada após bloqueio durante o governo Bolsonaro, o Fundo Amazônia pretende financiar projetos de proteção a povos indígenas, de controle do desmatamento, combate ao garimpo ilegal e promoção do ordenamento territorial da região. Foi como anunciou o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, os R$ 3,3 bilhões em doações da Noruega e da Alemanha.

Os valores foram anunciados após a reinstalação do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), realizada na sede do banco, no Rio de Janeiro. O comitê estava parado desde 2018, para dar lugar à política de aceleração de desmatamento do governo anterior. Segundo o economista, R$ 1 bilhão foram provenientes da Noruega e R$ 200 milhões da Alemanha. No total, o fundo, gerido pelo BNDES, acumula R$ 5,4 bilhões, com R$ 1,8 bilhão já contratado.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, disse que não houve na história recente do país nenhum governo como o anterior, que tinha como objetivo acelerar o desmatamento. “Por isso, hoje temos crime organizado armado e garimpo com muito mais presença na região. O desmonte foi uma política de Estado”, declarou.

Nesse período, Alemanha e Noruega, os principais países que destinavam verbas ao Fundo, criticaram o fato do recurso estar disponível e o Ministério do Meio Ambiente, então com Ricardo Salles sequer se dignar a abrir uma conta para os depósitos. Os doadores, então, anunciaram o bloqueio dos recursos com duras críticas a Bolsonaro e a Salles, indignados com o que consideraram quebra de contrato.

Após ação no STF para retomada do Fundo, por maioria, os ministros votaram em novembro passado pela reativação, o que só aconteceu no dia da posse de Lula como presidente. Em 1º de janeiro, o petista assinou um decreto que instituiu a volta dos conselhos diretores do Fundo Amazônia. Dois dias depois, a Noruega liberou a aplicação de cerca de R$ 3 bilhões doados.

Retorno da política ambiental

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o governo recebeu sinalização de interesse da França, da Espanha e da União Europeia de doarem recursos para o Fundo Amazônia. Na última semana, os Estados Unidos também manifestaram interesse em participar. O objetivo das doações internacionais é que o governo brasileiro garanta projetos de manejo sustentável da floresta, assim como estrutura adequada para fiscalização e combate ao desmatamento.

“A política ambiental brasileira voltou!” Para a ministra, o interesse de doadores de peso mostra a volta da política ambiental brasileira, com participação e ações da sociedade civil, da comunidade científica e dos governos estaduais e federal.

“É uma retomada, depois de quatro anos em que mais de R$ 3 bilhões ficaram parados, enquanto a Amazônia estava sendo destruída, os povos indígenas estavam completamente aviltados, além de todo o desmonte da política ambiental”, afirmou Marina Silva, frisando a volta do Ibama ao comando de operações e a desmilitarização da atuação do governo federal na região.

Em 2019, quando o fundo foi impedido de liberar recursos, 14 projetos estavam prontos para ser aprovados. Serão novamente analisados, a partir de critérios que já existiam em 2018.

Esses projetos, já qualificados pelo BNDES, totalizavam R$ 480 milhões à época, valor que, atualizado, deve chegar a cerca de R$ 600 milhões. “Os projetos ficaram no limbo. Se os tomadores tiverem interesse em continuar, eles voltarão a tramitar”, disse a ministra.

Sustentabilidade contra a boiada

Mercadante pontuou que o grande desafio é sair do modelo predatório para o modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia. “Para isso, nós precisamos de projetos estruturantes que impulsionam uma nova dinâmica, uma nova indústria, uma agricultura de baixo carbono, uma recuperação de pastos degradados. Esse é o grande objetivo estratégico do governo e do fundo. São 28 milhões de pessoas que precisam ter formas alternativas de vida, quando nós vamos combater, de forma implacável, o processo de devastação e destruição da Amazônia”, disse. 

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, destacou que o fundo irá apoiar no reflorestamento de assentamentos na Amazônia e também de áreas ilegalmente desmatadas nos últimos quatro anos. “Estamos recuperando um tempo em que vamos recuperar a floresta amazônica, para que ela cumpra um papel para o clima no Brasil e no mundo. Para isso, estamos convidando os agricultores familiares, os assentados, a integrarem esse esforço de recuperação dessas matas que foram destruídas”.

Prioridade a povos indígenas

Os povos indígenas são responsáveis pela proteção de 82% da biodiversidade mundial. Por isso, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, considerou histórica a retomada do Fundo e seu Comitê. “É muito importante e necessário retomar o Fundo Amazônia para que a gente possa atender e tirar os povos indígenas dessa emergência em que a gente se encontra hoje, depois desses quatro anos de abandono do governo federal”, disse a ministra.  

Marina, por sua vez, mencionou a prioridade do financiamento a projetos de proteção a povos indígenas. “Por unanimidade, nós priorizamos, dentro do foco do que já está estabelecido, projetos para atendimento à situação emergencial das comunidades tradicionais”, afirmou a ministra, elencando os yanomamis, kayapós e mundurukus.

Em 15 anos, foram preservados 74 milhões de hectares de área de floresta com manejo sustentável e 59 mil indígenas tiveram proteção direta, além do fomento à pesquisa, que resultou em 613 publicações científicas no período.

Atualmente, são 5,4 bilhões de reais em caixa para três tipos de programas: de prevenção; de fiscalização e combate ao desmatamento; e de conservação e uso sustentável.

O secretário-executivo do Ministério da Justiça e antigo interventor do DF, Ricardo Capelli, disse que a pasta pretende lançar nos próximos dias o programa Amazônia Mais Segura, para combater ações como garimpo ilegal e desmatamento, em conjunto com a Polícia Federal e o Ibama. As medidas visam conter a violência nos territórios de mata, como a que levou aos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.

Apesar de 80% dos investimentos se destinarem à região amazônica, a legislação permite ao Fundo utilizar até 20% dos seus recursos para apoiar biomas brasileiros e de outros países tropicais, como Peru, Bolívia e Colômbia — que integram uma única ação financiada pela iniciativa do governo brasileiro. 

A maioria dos projetos apoiados nasce de organizações do terceiro setor (55), como comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Os demais vêm de parceria direta com estados (22), União (8), municípios (7), universidades (6) e internacionais (1).

O presidente do BNDES disse ainda que foram liberados R$ 853 milhões para operações de comando e controle coordenadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), R$ 253 milhões para ordenamento territorial e R$ 244 milhões para ciência e tecnologia.

Mercadante destacou, porém, haver “prioridade em operações de comando e controle, proteção emergencial dos povos indígenas, com alimentação, educação e todas as políticas para proteger a vida”, além de “estudos para retomarmos e avançarmos na demarcação territorial”.

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