Campanha anti-Venezuela omite ganhos para o Brasil

Nos últimos 20 anos, conforme a BBC, Brasil exportou para a Venezuela US$ 52,9 bilhões em produtos e serviços e importou US$ 10,5 bilhões, o que dá um saldo positivo de US$ 42,4 bilhões

Afinal, a quem interessa a campanha anti-Venezuela que une setores da direita e da grande mídia brasileira, além dos Estados Unidos? O que perde o País ao pôr em xeque as relações com um aliado histórico com o qual acumulamos um dos maiores superávits comerciais?

Reportagem da BBC News Brasil publicada no domingo (12) ilustra com números a importância dos venezuelanos para nosso Comércio Exterior. Nos últimos 20 anos (2003-2022), conforme a BBC, “o Brasil exportou US$ 52,9 bilhões em produtos e serviços e importou US$ 10,5 bilhões, o que dá um saldo positivo de US$ 42,4 bilhões”.

O fluxo comercial oscilou entre os governos progressistas e os governos ultraliberais. “As exportações brasileiras para a Venezuela saíram de US$ 603 milhões em 2003 para um pico de US$ 5,1 bilhões em 2008, ainda durante o governo Lula. Nos anos seguintes, o volume de exportações brasileiras para a Venezuela se manteve acima dos US$ 3,5 bilhões até 2014”.

Porém, com Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República, os ganhos para o Brasil caíram – porque os próprios governantes brasileiros se aliaram à perseguição à Venezuela. A BBC lembra que em 2019, primeiro ano da gestão bolsonarista, “o volume de produtos e serviços brasileiros vendidos para o país vizinho despencou para US$ 420 milhões”.

Bolsonaro, alinhado à gestão de Donald Trump na Casa Branca, chegou a cortar relações com a Venezuela. O ex-presidente atendeu até ao pedido bizarro de reconhecer o golpista Juan Guaidó como presidente venezuelano, embora todas as instituições do país se mantivessem sob autoridade de Nicolás Maduro.

Os laços foram restabelecidos agora, com a posse de Lula – e essa notícia é, sim, boa para o Brasil. Ao ouvir especialistas, a BBC afirma que, mesmo com eventuais riscos, a volta dos vínculos com a Venezuela pode “trazer ganhos econômicos, diplomáticos e ajudar a resolver problemas como a crise migratória”.

“No processo de reaproximação citado pelo chanceler Mauro Vieira, as primeiras etapas serão enviar um encarregado de negócios a Caracas, reativar as instalações diplomáticas e, futuramente, indicar um novo embaixador ou embaixadora para o país. Ainda não há previsão sobre um encontro entre Lula e Nicolás Maduro”, informa a BBC.

A professora Carol Pedroso, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é uma das defensoras da reaproximação. Doutora em Relações Internacionais, Carol enumera vantagens na medida: “reabrir canais para resolver eventuais novas crises, reduzir o impacto da crise migratória e aproveitar oportunidades econômicas”.

“Apesar de a Venezuela ter seus problemas, ela ainda é um país economicamente complementar ao Brasil. Isso significa que eles não produzem muitas das coisas que nós produzimos – e isso representa uma oportunidade para nós”, sintetiza.

Sua opinião é compartilhada pelo professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel. “Aos olhos do governo, essa é uma aposta no futuro. É um movimento que aposta em uma recuperação da economia venezuelana no futuro maior do que a vemos hoje”, analisa.

Os especialistas avaliam que a campanha contra a Venezuela vai continuar, o que pode desgastar o governo Lula. “O Brasil ainda está muito polarizado e parte da população brasileira pode ter resistência a essa aproximação”, diz Carol Pedroso. “A oposição certamente vai criticar qualquer tipo de aproximação e alegar que se trata de um alinhamento ideológico ao regime de Maduro”, agrega Oliver Stuenkel.

Mas os ganhos concretos vão além da economia. “A grande vantagem para o Brasil é que ele retome uma posição de cuidado e liderança na região”, opina Thiago Gehre Galvão, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador das relações Brasil-Venezuela. “Isso pode acontecer fortalecendo os fóruns que já existem ou mesmo retomando alguns que ficaram para trás como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).”

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