Conheça Sandra Monteiro, a mulher que comanda a Ciência cearense

Pesquisadora, gestora e comunista do PCdoB, Sandra Monteiro, Secretária da Secitece, concedeu entrevista exclusiva para o jornal O Povo.

Foto: Fernanda Barros

Em entrevista exclusiva ao O POVO, a nova secretária de Ciência e Tecnologia do Ceará conta sobre sua trajetória e os desejos para a ciência cearense.

Sandra Maria Nunes Monteiro, 54 anos, lembra com carinho dos pais. Alagoana filha de mãe pedagoga e pai motorista, e agora mãe de um adolescente de 16 anos, a nova secretária de Ciência e Tecnologia do Ceará (Secitece) sempre foi instigada a perguntar.

Ela admirava a chuva e o grande feito das gotas caírem ao chão e correr como rio pela estrada, ao invés de atravessar o sólido e seguir abaixo. A curiosidade e os porquês eram estimulados pelos pais na forma da leitura de livros, revistas e jornais, além dos programas de televisão que contavam grandes histórias, das astronômicas às greco-romanas.

A educação era regra na casa, independente de gênero. Enquanto a mãe Rosália Maria da Conceição Nunes sonhava em fazer Medicina e de alguma forma desejava ver Sandra como médica, o pai José Nunes dos Santos (in memoriam) foi um pilar especialmente importante para a decisão da secretária em seguir na pesquisa. Sempre muito estudioso, o pai foi tirado da escola muito novo, aos 12 anos, para trabalhar.

Chegou a abrir estrada em Rondônia e, no processo de ser levado por aí pelos caminhões, aprendeu a dirigir só por observar. Inclusive, teve as habilidades testadas na prática aos 16 anos, quando um dos motoristas passou mal. Seu José virou motorista de confiança. Nunca voltou para a escola, mas sempre apostou no poder do aprendizado.

Mas Sandra só entendeu a Ciência com cê maiúsculo quando entrou na faculdade. Formada em Nutrição pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), descobriu o mundo da Fisiologia no primeiro ano da faculdade e nunca mais deixou de se encantar com a pesquisa.

Trabalhou com pesquisa experimental, depois em hospital clínico. Lecionou e orientou, passando tanto pela Ufal, quanto pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pela Universidade de Fortaleza (Unifor) — onde aprendeu o valor das universidades privadas também —, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE).

Entre 2015 e 2017, ela ainda atuou como coordenadora de Ciência, Tecnologia e Inovação da Secretaria da Ciência, Tecnologia e da Educação Superior do Estado do Ceará, responsável pelos projetos da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a implementação da Feira do Conhecimento, a criação do Plano Estadual de Ciência e Tecnologia e o Estudo de Viabilidade do Parque Tecnológico do Ceará.

A pesquisadora política

“Como é que essa sua experiência prepara a senhora para assumir como secretária de Ciência e Tecnologia? Na verdade, eu acredito que a pergunta seja quais habilidades e características adquiridas a senhora acredita que serão úteis para fazer uma boa gestão pública?”, perguntei durante entrevista exclusiva ao O POVO com a secretária.

Foi na tarde do dia 31 de janeiro, rodeadas de café, biscoitos e um bolo de limão na redação do jornal. Já tínhamos conversado sobre a trajetória de Sandra como estudante, pesquisadora e professora, e então adentramos no mundo inerentemente político de estar à frente de uma pasta nem sempre tão lembrada, mas extremamente importante para o desenvolvimento do Estado.

“Eu acho que eu consegui acumular conhecimentos. Não necessariamente só do que eu aprendi na universidade, mas o que eu aprendi com a universidade. Será que outra pessoa poderia ter sido escolhida? Várias, têm vários colegas, várias pessoas valorosas que eu conheço que poderiam estar assumindo também.”

No entanto, estar à frente de uma secretaria exige muito mais do que o conhecimento técnico. Há a desenvoltura política, o que no caso de Sandra é reforçado também pela filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e o entendimento das políticas públicas e dos caminhos administrativos para as decisões da pasta. Também o próprio reconhecimento por antigos gestores, como o ex-secretário Inácio Arruda.

Ao mesmo tempo, viveu politicamente a escola e a universidade. No ensino básico, foi representante de turma. No superior, ingressou no centro acadêmico logo nos primeiros semestres.

 “Na década de 80 e 90 era um sucateamento da universidade, a gente passou por duas grandes greves e era os estudantes que puxavam as greves. Nessa questão, a gente conseguiu linha de ônibus, conseguimos espaço para residência estudantil, biblioteca… Conseguimos fazer um movimento que eu me identifiquei com esse tipo de ação”, comenta.

À medida que rememorava a carreira e as lutas, a secretária não deixava de mencionar a influência dos pais. Foram os que a ensinaram a ter solidariedade com os outros e a aprender com situações adversas, a estar atenta ao potencial de todos e valorizar as experiências na ponta dos fluxos de trabalho e de vida. “No início você não sabe onde vai aplicar aquele conhecimento, mas se aplica”, reflete, entendendo que é no comando da Secitece que todo o rol de vivências.

 Organização, protagonismo e conexão

O período de transição dos governos de 2022 e 2023 foi o momento para a secretária Sandra perceber os desafios e alguns desejos para a Secitece. Ainda que não possa prometer grandes projetos, especialmente porque há um impasse orçamentário, ela conversou com O POVO sobre os principais objetivos para o mandato.

Primeiro, há o desejo de transformar a Secitece em uma pasta mais executiva, por meio da ativação do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CECT). Presidido pelo governador e composto por representantes das coordenadorias e instituições da Secitece, o conselho é chave para a efetividade da pasta, para a tomada de decisões e investimentos.

Parte desse potencial poderia ser empregado inclusive nas sugestões de editais financiados pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap). O exemplo surgiu de uma pergunta sobre o financiamento para pesquisa nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, já que as áreas mais beneficiadas por editais tendem a ser as de Saúde, Exatas e Ciências da Terra.

“As Ciências Sociais são a base para formação dos profissionais. Eu falo até mesmo em políticas de gênero: se não houver um investimento para a produção desse conhecimento, a gente não vai ter base para políticas públicas. [E por isso falo em secretaria mais executiva, para ter] mais ações da Funcap, para ela executar isso junto com o mercado e com as demais secretarias de maneiras diferentes.”

Ao mesmo tempo, a gestora planeja melhorar a conexão entre os órgãos vinculados da Secitece, como as universidades estaduais do Ceará (Uece), do Cariri (Urca) e do Vale do Acaraú (UVA). Isso significa trabalhar em parcerias que pensem no sistema de ensino superior cearense como um todo, especialmente no que tange o compartilhamento de pesquisadores, de tecnologia e até mesmo de estrutura, além do fortalecimento da interiorização da ciência.

Fora isso, o investimento em melhorias estruturais tanto das universidades, quanto da própria secretaria de Ciência e Tecnologia.

“A gente só tem que ter paciência porque parece que todo mundo quer resolver todos os problemas que ficaram no limbo entre 2018 e 2020. Eles vão começar a ser discutidos para serem resolvidos agora”, determina a secretária.

Paciência também é uma palavra que a guiará nos próximos quatro anos. Ela finalmente tiraria férias de 20 dias após os muitos anos corridos como professora e coordenadora, mas ao aceitar a pasta, abriu mão do descanso. É também um novo desafio para a faceta maternal de Sandra: o de comandar a Secitece sem pausas, enquanto acompanha o filho numa das fases mais intensas da vida.

— É isso, são grandes caminhos nos próximos quatro anos. Mas vai ser bom, eu espero.

Fonte: Jornal O Povo