Encontro entre Lula e Biden será decisivo para enterrar legado bolsonarista

Imprensa dos EUA compara Biden e Lula pelo enfrentamento precário do golpismo em Washington, enquanto o Brasil teria esmagado o bolsonarismo.

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A visita do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à Casa Branca tem revelado que o presidente Biden pode ter mais em comum com seu homólogo brasileiro do que gostaria. Esse é o tom de grande parte da mídia americana ao falar sobre o encontro. Também assume um forte caráter simbólico, conforme a visita se configura como um importante sinal de que suas democracias são resilientes.

Os dois presidentes já sinalizaram que a defesa da democracia será um dos principais temas da conversa. Lula e Biden percebem que podem liderar um movimento global contra a extrema-direita não democrática. Após a reunião, os dois presidentes devem fazer uma declaração conjunta, que vai buscar reunir todos os pontos de convergência. 

Tudo por causa da comparação entre os dois inícios de governo, tumultuados por tentativas de golpes de extrema-direita. A reunião com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva segue-se à insurreição do mês passado em Brasília, que lembra o ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos EUA por partidários do presidente Donald Trump.

Pior, articulistas de importantes jornais, – como Gabriel Pasquini, do Washington Post -, defendem que os EUA têm muito a aprender com o modo como o Brasil reagiu ao golpismo, transformando-o num gigantesco fracasso e isolando seu mentor, Jair Bolsonaro, que, ironicamente, se instalou na Flórida, como vizinho de Trump. Para o jornalista, as consequências da invasão ao Capitólio continuam ecoando como ameaça latente à democracia americana. 

Nos EUA, Donald Trump continua lépido e faceiro no controle do Partido Republicano, e em plena campanha para a próxima eleição presidencial, apesar de estar envolvido no golpe contra Biden, fora outras escandalosas acusações em vários âmbitos da Justiça do país. 

Pasquini diz que “a revolta dos bolsonaristas não foi apenas um eco impotente de uma revolta estrangeira – que foi uma séria ameaça à democracia – fica evidente nas fortes reações a ela no Brasil.” As comparações observam como a prisão de milhares de golpistas faz diferença nas investigações brasileiras, enquanto nos EUA, o fato de Biden não estar no poder no momento da crise, dificultou tudo.

O caráter fascista dos eventos nos dois países é visto como uma ameaça global. “A única diferença entre o levante no Brasil e o ataque ao nosso Capitólio foi que os ramos do governo brasileiro estavam todos unidos em oposição aos insurgentes”, diz.

“Os republicanos ainda estão concorrendo, promovendo e mantendo no cargo pessoas que negam os resultados das eleições de 2020. Isto está longe de terminar. A democracia não é fácil. É uma luta constante contra os autoritários do mundo”, completa Pasquini.

O artigo repercutiu, e outros jornalistas comentaram que faltou dizer que mentores intelectuais como Jason Miller e Steve Bannon estão envolvidos tanto no J6 dos EUA, quanto no J8 do Brasil, como apelidaram as insurreições de 6 e 8 de janeiro. Miller e Bannon são vistos como conselheiros políticos que estão criando uma organização que usará suas campanhas de mídia social de desinformação e teorias da conspiração, com acusações de “fraude eleitoral” para ajudar seus aliados a tentar tomar o poder em democracias suscetíveis ao redor do mundo agora.

Mas as comparações continuam. A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Washington marca um encontro dos líderes das duas maiores economias e democracias do hemisfério ocidental. O fato dos dois serem os mais velhos presidentes de seus países – Biden tem 80 anos, enquanto Lula tem 77 – também é mencionada.

Mais claramente, eles chegaram ao poder em meio a perturbadoras turbulências políticas com apenas dois anos de diferença. Ambos fizeram campanha com promessas de devolver seus países à normalidade após quatro anos de governo às vezes caótico de líderes de estilo populista. E derrotaram os presidentes em exercício que se recusaram a reconhecer os resultados eleitorais como legítimos, levando a insurreições nas capitais de ambos os países – uma em 6 de janeiro de 2021 e outra em 8 de janeiro de 2023.

Assim, esta visita está sendo enquadrada como uma chance de um novo começo depois do caos deixado pelos antecessores de ambos os presidentes – mandatos marcados por polarização, tumulto político e convergência ideológica de nacionalistas de extrema direita em ambos os países. Assim como uma chance de enterrar o bolsonarismo e o trumpismo como legados. Ambos defendem bandeiras totalmente avessas ao negacionismo científico e despeito pelas instituições democráticas, como a imprensa. Assim, querem evidenciar o contraste de governos.

Divergências

As convergências continuam conforme os dois líderes se preparam para divulgar seu compromisso compartilhado de proteger a floresta amazônica. Lula e Biden também devem conversar sobre ações para promover a igualdade racial e combate ao racismo.A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, faz parte da comitiva.

De fato, os dois se comprometeram a preservar a Amazônia, uma ferramenta vital na luta contra a mudança climática que registrou desmatamento recorde sob o presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro.

A promessa de Biden se depara com uma realidade desconfortável: a paixão dos americanos pela carne bovina está ajudando a destruir a Amazônia, enquanto a pecuária empurra a floresta para um perigoso ponto de inflexão.

Ambientalistas dizem que os Estados Unidos deveriam fazer mais para proteger a maior floresta tropical do mundo – e estão usando a reunião de alto nível para pressionar a questão.

“Lula demonstra vontade e ação para acabar com o desmatamento, mas seus orçamentos são apertados”, disse Toerris Jaeger, diretor executivo da Rainforest Foundation Norway, em comunicado. “Biden agora tem uma oportunidade de ouro para facilitar uma mudança real.”

Os dois líderes compartilham esforços para fortalecer a democracia, mas divergem sobre Ucrânia e China. Ao estreitar laços comerciais com o Brasil, os Estados Unidos também buscam fazer frente à China, que tem cada vez mais ganhado espaço nas parcerias com os países latino-americanos.

O tema do regime de Nicolás Maduro na Venezuela parece um tópico superado, conforme, nos últimos meses, os EUA tenham voltado a comprar petróleo venezuelano e relaxou sanções econômicas.

A guerra da Ucrânia guarda enormes diferenças, por outro lado. O norte-americano, desde o primeiro momento da invasão russa à Ucrânia, se colocou contra a iniciativa de Moscou e liderou a imposição de sanções comerciais à Rússia. Tem enormes interesses no comércio de armas para a guerra.

Lula pretende discutir a formação de um Clube da Paz, envolvendo países que queiram pressionar os governos em guerra para uma mesa de negociações. Não se sabe como Biden vai reagir a ideia que já vem sendo discutida com governos europeus. A iniciativa brasileira é bem vista, conforme a exaustão com a guerra se aprofunda na Europa.

O Brasil, apesar de ter se posicionado contra a invasão em deliberações na ONU, não faz declarações incisivas condenando a invasão russa. Postura tanto do governo anterior como da gestão Lula. Além disso, o Brasil não tem enviado equipamentos de guerra para ajudar a Ucrânia, contrariando o movimento que nações ocidentais têm feito.