Em um mês, Lula enfrentou golpe, genocídio e legado bolsonarista

Lula se saiu bem e até se fortaleceu no primeiro dos 48 meses de seu terceiro mandato. Mas a herança maldita de Bolsonaro vai demandar energias e ações extras da gestão.

(Fotos: Ricardo Stuckert/PR)

O primeiro mês do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava no script de ninguém. Ao subir a rampa do Palácio Planalto ao lado de um grupo representativo do povo brasileiro, em 1º de janeiro, Lula protagonizou a mais bela cena de uma cerimônia de posse presidencial no País. A histórica largada da gestão parecia sinalizar um período de certa tranquilidade institucional, após quatro anos do governo bélico e devastador de Jair Bolsonaro (PL).

Mas os tempos de paz duraram uma semana. Em 8 de janeiro, um domingo, milhares de bolsonaristas se concentraram no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, e de lá marcharam até a Praça dos Três Poderes. Pouco mais de mil vândalos invadiram e depredaram o Palácio do Planalto (sede do Executivo), o Congresso Nacional (sede do Legislativo) e o STF (Supremo Tribunal Federal, sede do Judiciário).

A firme reação do governo – que, no mesmo dia, decretou intervenção na segurança pública do Distrito Federal – foi seguida de uma série de determinações do STF e derrotou a ofensiva golpista. No dia seguinte, a segunda-feira 9, Lula se reuniu com representantes dos 27 governos estaduais e do Judiciário, numa reunião sem precedentes na história do Brasil.

Foi a grande ironia do primeiro mês de Lula 3: ao mesmo tempo em que apoiadores extremados de Bolsonaro ousaram promover a ofensiva mais radical – e criminosa – contra a democracia, o presidente reafirmou e revigorou ainda mais a frente ampla em defesa do Estado Democrático de Direito.

Formalmente instalado no Planalto, Lula se dedicou, desde as primeiras horas no cargo, a assinar medidas que livrassem o Brasil e os brasileiros do entulho bolsonarista. Foram nada menos que 52 decretos e quatro MPs (medidas provisórias) já no dia da posse. O “revogaço” inaugural garantiu o Bolsa Família de R$ 600, ampliou o controle sobre as armas de fogo, recriou o Fundo Amazônia e iniciou a revisão dos sigilos de cem anos impostos pelo governo anterior. O fim dos primeiros sigilos, em especial, trouxe a público dados sobre o uso ilícito do cartão corporativo por Bolsonaro.

Ao longo de janeiro, os ministérios seguiram a diretriz da Presidência da República e também anunciaram a suspensão de retrocessos do governo anterior, além de retomarem o diálogo com a sociedade civil. Uma das iniciativas mais simbólicas partiu da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que revogou a medida da gestão Bolsonaro que liberava a extração de madeira em terras indígenas.

Outra marca do primeiro mês de governo foi o fim da onda privatista em curso desde o golpe de 2016. Lula acabou com o processo de privatização de oito empresas públicas federais, como a Petrobras e os Correios. De modo geral, o governo revalorizou o papel do Estado.

Por fim, o presidente se destacou no enfrentamento à crise humanitária vivida pelos povos yanomâmis. Tão logo foi divulgado o cenário desolador na Terra Indígena Ianomâmi, em Roraima, Lula se descolou até o local, ao lado de ministros, e fez diversos anúncios de ações emergenciais para combater o genocídio. Estima-se que ao menos morreram por 570 crianças por desnutrição ou causas evitáveis em quatro anos, devido à proliferação do garimpo ilegal e à contaminação dos rios com mercúrio.

“Reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam”, discursou Lula no parlatório durante a cerimônia de posse. “Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que nossos adversários mais temem: a verdade, que se sobrepôs à mentira; a esperança, que venceu o medo; e o amor, que derrotou o ódio.”

Não foi fácil, mas Lula se saiu bem e até se fortaleceu no primeiro dos 48 meses de seu terceiro mandato. O semestre será farto de mais anúncios e decisões, que darão a medida do quanto o governo conseguirá avançar no curto prazo. Uma certeza, porém, está definitivamente cristalizada: a herança maldita de Bolsonaro, de tão generalizada, vai demandar energias e ações extras da gestão Lula.

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