Intolerância religiosa teve aumento de 63% no país

Religiões de matriz africana são as mais atingidas, com mais de 30% provocadas por agentes públicos e pastores.

2º Procissão do Zé Pelintra saindo do santuário nos Arcos da Lapa e finalizando na Cinelândia, no centro da cidade, com um ato contra a intolerância religiosa. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, publicação organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas, com apoio da Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, aponta aumento dos casos de intolerância religiosa no país.

O levantamento foi divulgado no âmbito do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, lembrado no sábado (21). Os dados do estudo indicam que as religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, mesmo sendo uma minoria religiosa, são as mais atingidas pela intolerância, junto com números bem menores de católicos, espíritas e judeus. Indígenas também sofrem com ataques violentos a suas casas de rezas, especialmente no Mato Grosso do Sul.

Em 2020, foram notificados 86 casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana e 244 casos em 2021. A religião mais atingida com atos de intolerância foi a umbanda com 43 casos, 41 casos no candomblé e 34 casos no espiritismo. Católica apostólica romana registrou 30 casos e a Assembleia de Deus com 25 casos.

Segundo dados do portal Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foram registrados 966 casos em 2021, um aumento de 63% em relação aos 353 casos de 2020. Em 2019, o total foi de 477 casos de intolerância religiosa. O menor número de 2020 é atribuído aos protocolos de lockdown impostos pela pandemia de covid-129.

Dos 56% dos casos em que é possível identificar a religião do violador de direitos esta é evangélica. A maior ocorrência (23,8%) é de vizinhos intolerantes. Porém, é importante sinalizar que 19,5% são de figuras públicas e 13% de ministros religiosos que tem um poder de irradiação maior. No geral, se vê que o intolerante se manifesta em vários espaços da sociedade. A ocorrência de 10% de casos de Terreiros ameaçados ou expulsos pelo tráfico é subestimada, pois todos que tivemos contato, falam sempre de outros Terreiros que também sofreram do mesmo crime.

A injúria religiosa dirigida a pessoas representa 26% do total de casos, podendo ter ameaças e até agressão física. As injúrias a comunidade religiosa representam 23,9% dos casos, também podendo conter ameaças. As vandalizações dos templos representam 21,7% dos casos, podendo conter injúrias religiosas à comunidade, incêndio e até roubo. Somados a isso se pode acrescentar a expulsão do território, as ameaças de expulsão e grilagem de terras, que afetam a unidade territorial, dificultando ou impedindo a realização dos cultos.

Dos 477 casos registrados para o ano de 2019, o Estado de São Paulo foi o que apresentou o maior registro, totalizando 117 casos. Em seguida, o Estado do Rio de Janeiro aparece com 77 casos, o Estado de Minas Gerais com 46 casos, demonstrando a proeminência dos estados da Região Sudeste nas denúncias do dique 100.

Menos casos em 2020

“Observa-se que o ano de 2020 apresentou o menor número de casos de intolerância religiosa entre os anos analisados no relatório. Como hipótese para esta diminuição de casos, ressalta-se que o ano de 2020 foi marcado pela consolidação da pandemia da covid-19, fato que impôs uma série de medidas restritivas de circulação e sociabilidade que podem ter contribuído para um menor número de casos de intolerância religiosa neste período”, diz o relatório.

De acordo com o relatório, os estados da Região Sudeste, mais populosos, despontam como os que apresentam o maior número de casos de intolerância religiosa, contrapondo-se aos estados das regiões Norte e Centro-Oeste, que apresentaram menor número de casos.

Denúncias não definidas

“Também cabe destacar o grande quantitativo de denúncias de intolerância religiosa classificadas como não definidas, sendo registrados 103 casos no ano de 2020 e 234 no ano de 2021. Essa categoria de dados não esclarece a qual crença religiosa pertence a vítima, limitando a interpretação dos dados e apontando para a necessidade de aperfeiçoamento do canal de denúncias Disque 100”, afirma o estudo.

2º Procissão do Zé Pelintra saindo do santuário nos Arcos da Lapa e finalizando na Cinelândia, no centro da cidade, com um ato contra a intolerância religiosa. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em artigo publicado no relatório, o babalawô (pai de santo) e professor doutor em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivanir dos Santos, e a professora de Direito na Universidade Cândido Mendes, no Rio, Mariana Gino, afirmam que no Brasil, na América Latina ou no Caribe, os casos dessas violações dos direitos humanos vêm crescendo “assustadoramente”.

“A intolerância religiosa e o racismo estão entranhados nas relações sociais cotidianas, culturais políticas e econômicas. E é ela, a intolerância, que vem se apresentando como um dos nossos maiores desafios contemporâneos diante das possibilidades para a promoção e o fortalecimento das tolerâncias e das equidades religiosas. Como bem podemos constatar, através das narrativas e dos fatos históricos, somos educados dentro das construções coloniais que impossibilitam quaisquer construções voltadas para as diversidades e para as tolerâncias”, escrevem os pesquisadores.

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído no Brasil, pela Lei Federal nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, depois da morte da Iyalorixá baiana e fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda. Ela teve a casa e o terreiro invadidos por um grupo de outra religião. Após perseguições e agressões verbais, Mãe Gilda morreu de infarto fulminante.

Combate à Intolerância

2º Procissão do Zé Pelintra saindo do santuário nos Arcos da Lapa e finalizando na Cinelândia, no centro da cidade, com um ato contra a intolerância religiosa. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ivanir dos Santos lembrou que o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído no Brasil, pela Lei Federal nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007, depois da morte da Iyalorixá baiana e fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda. Ela teve a casa e o terreiro invadidos por um grupo de outra religião. Após perseguições e agressões verbais, Mãe Gilda morreu de infarto fulminante.

“Se tornou um dia nacional de combate. O importante para nós é a diversidade. Não existe democracia com intolerância religiosa. Não existe democracia com misoginia, com racismo, com homofobia. Democracia só existe com estado laico e diversidade”, disse.

O presidente da Fundação Palmares, João Jorge, disse que todo o esforço para a liberdade religiosa é algo civilizatório e deve fazer parte do Brasil moderno.

“É um passo avante, vivemos um período de ódio e ódio inclusive religioso, temos que ser agora, família, nação, cultura e religião”, afirmou, acrescentando que a função da Fundação Palmares é defender, dar mais publicidade e apoiar nacionalmente os valores contra a intolerância. “É preciso que os brasileiros compreendam a dimensão da liberdade religiosa de cada pessoa”.

Compromisso de governo

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), é compromisso do governo “reiterar o respeito a todas as expressões de fé e fazer valer a laicidade do Estado brasileiro”. Segundo a pasta, dados do Disque 100 indicam, que nos últimos dois anos, houve uma elevação de 45% nos atos de intolerância religiosa. “Neste sentido, a nova gestão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) reitera o compromisso em respeitar as diversas manifestações religiosas ou mesmo a ausência de crença”, assegurou.

Quem quiser relatar casos de intolerância religiosa pode acessar a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), que é o setor do ministério para receber as denúncias da sociedade contra todo tipo de violência e abriga o Disque 100. “Quando observados os números mais recentes do serviço de atendimento, constam apenas 113 registros de violações motivadas por intolerância religiosa. Os números se referem a todo o ano de 2022, o que indica tendência de subnotificação”, alertou.

Com informações da Agência Brasil

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