Acabar com a fome: como realizar a promessa que leva Lula às lágrimas?

A simples retomada de políticas públicas de combate à fome já será suficiente para atenuar o problema.

O ano de 2023 mal começou, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já chorou duas vezes em público ao tratar de um mesmo flagelo: a fome que avançou País afora após os governos de Michel Temer (MDB) e, sobretudo, de Jair Bolsonaro (PL). Nada menos que 33,1 milhões de brasileiros passam fome hoje, conforme a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Pensaan).

Ao tomar posse na Presidência da República, em 1º de janeiro, Lula foi às lágrimas ao falar da crise alimentar atual no Parlatório, em Brasília. “A fome está de volta – e não por força do destino, não por obra da natureza, nem por vontade divina. A volta da fome é um crime, o mais grave de todos, cometido contra o povo brasileiro.” O presidente citou, ainda, o “tamanho abandono e desalento” que tomaram as ruas do País nos últimos anos:

“Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola, quando deveriam estar na escola, vivendo plenamente a infância a que têm direito. Trabalhadoras e trabalhadores desempregados exibindo, nos semáforos, cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: ‘Por favor, me ajuda’. Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de automóveis importados e jatinhos particulares.”

Diante desse cenário, Lula voltou a assumir “o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam. De acabar outra vez com a fome neste país. De tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no Orçamento”.

Em 11 de janeiro, o presidente voltou a chorar ao discursar sobre a fome. Foi durante seu encontro com deputados federais no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. “Se quando eu terminar esse mandato cada brasileiro tiver tomando café, almoçando e tiver jantado outra vez, eu terei cumprido a missão da minha vida”, discursou Lula, aos prantos. “Desculpa, mas o fato é que eu jamais esperava que a fome ia voltar a esse país.”

Na visão de especialistas ouvidos pela Deutsche Welle (DW), acabar com a fome em quatro anos – a maior das promessas de Lula – é uma missão viável, mas complexa. Pesa a favor do governo o fato de que o avanço da insegurança alimentar se deveu mais a decisões políticas do que às crises econômica e sanitária. A simples retomada de políticas públicas de combate à fome – abandonadas sobretudo por Bolsonaro – já será suficiente para atenuar o problema.

São iniciativas como o Fome Zero, o Bolsa Família, os restaurantes populares, os estoques de alimentos e o apoio à agricultura familiar. Em 2014, graças ao êxito dessas políticas e após mais de uma década de governos progressistas no Brasil, a FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) retirou o País do Mapa da Fome.

A proeza, porém, não sobreviveu ao golpe de 2016, que tirou do poder, à margem da lei, a presidenta Dilma Rousseff (PT). O projeto de seu sucessor – a “Ponte para o Futuro” de Temer – deu início à desconstrução de programas que, com Bolsonaro, seriam sabotados e esvaziados de vez. A isso se somou, a partir de 2020, a pandemia de Covid-19 e a carestia – a inflação generalizada dos alimentos.

Walter Belik, diretor do Instituto Fome e, conforme lembra a DW, “um dos idealizadores do programa de combate à insegurança alimentar durante o governo Lula”, o desafio do novo governo é recompor o orçamento dos projetos de combate à insegurança alimentar. É o caso do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) – depois rebatizado de Alimenta Brasil.

Ao ser criado, em 2003, o PAA tinha o objetivo de “regular a compra de alimentos de pequenos produtores pelo governo para a doação para merendas, creches, escolas, hospitais e pessoas em situação de pobreza”. Seu orçamento despencou de R$ 1 bilhão em 2013 para 2,6 milhões em 2023.

“Os programas estão aí, não foram extintos. Tem que se colocar dinheiro”, diz Belik. “Do ponto de vista jurídico e burocrático, é rápido para reativar os programas. Tem muito recurso que poderia vir para ajudar, porque as agências internacionais não pararam de colocar dinheiro no Brasil.”

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, extinto por Bolsonaro, também deve ser reativado. “Estamos em estruturação, o que é importante”, diz a professora e nutricionista Ruth Guilherme, presidente da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição). “O governo passado foi limitando todo esse movimento que dava essas políticas públicas, as duas grandes frentes que os governos Lula e Dilma tinham, que era garantir alimentos e garantir renda.”

A recuperação da renda das famílias, com medidas como a política de valorização do salário mínimo, também vai contribuir para o combate à fome. De acordo com um levantamento da Rede Penssan citado pela DW, “quando há renda de um salário mínimo por pessoa, a fome praticamente desaparece nos lares”.

Para Walter Belik, o Brasil não sofre de “falta de alimentos” – mas, sim, de “um problema de desequilíbrio entre oferta e demanda. É uma estrutura de mercado que é perversa, que não funcionou, muito concentrada nos problemas dos estoques de alimentos”. Daí a importância de Lula, de volta ao Planalto, reinvestir nos estoques, bem como em merenda escolar, restaurantes populares e agricultura familiar.

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