Ricardo Galvão toma posse no CNPq. A ciência venceu o negacionismo

Em posse, novo presidente do CNPq, Ricardo Galvão exaltou a defesa da ciência e criticou o negacionismo.

Novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Foto: Ascom MCTI

Ricardo Galvão, ao tomar posse como presidente do CNPq, em cerimônia realizada na terça-feira, 17, lembrou dos embates históricos entre poderosos negacionistas e a comunidade científica. Destacou que no Brasil, apesar dos desmontes promovidos pelo governo Bolsonaro, o momento representa “uma virada desta página triste da história”.

O físico agradeceu a confiança da ministra Luciana Santos e falou dos desafios enfrentados pela sociedade científica ao longo da história e, mais recentemente, durante um governo autoritário e negacionista, como foi de Jair Bolsonaro na presidência da República.

Lembrou do embate com o ex-presidente Bolsonaro que culminou em sua exoneração do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inep) por ter apresentado relatório sobre o aumento do desmatamento em 2019. Recordou e agradeceu as manifestações de apoio que recebeu de colegas da academia à época.

Ricardo Galvão afirmou que uma dessas mensagens o fez refletir sobre desde sempre ter havido embates entre poderosos e cientistas. Relatou assim, o caso da primeira cientista registrada pela história, Hipácia, de Alexandria, que foi perseguida pelo patriarca da igreja Cirilo. Ela foi cruelmente torturada e assassinada por defender a ciência.

Hipacia foi perseguida por uma multidão de cristãos fanáticos enfurecidos em 415 d.C. Arrastada pelas ruas até uma igreja, foi torturada e morta, tendo seu corpo jogado em uma fogueira. “Os séculos se passaram e Cirilo entrou para os livros de história como pusilânime e covarde. A intolerância persistiu pela idade média, mas a ciência, no entanto, sobreviveu à autoridade política e promoveu avanços através da autoridade do conhecimento”, observou Galvão.

O presidente do CNPq recordou também de outros casos de especialistas que também foram executados quando exibiam resultados científicos que contrariavam interesses políticos poderosos. “Comparando esses casos históricos com o cenário cinzento que estava se formando em nosso país, me perguntaram: ‘Estamos caminhando de volta às trevas?’.

Refletindo sobre o assunto, contou que nos seus mais de 50 anos de sua vida profissional dedicada aos estudos acadêmicos e à ciência questionou se viveria seus últimos anos de atividade sob esse enorme retrocesso.

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O professor descreveu sua comoção ao receber uma correspondência dos filhos de José Leite Lopes, um dos mais importantes físicos brasileiros que foi cruelmente perseguido pela ditadura militar no Brasil.

Segundo Galvão, a mensagem renovou o seu estado de espírito e ao receber um convite para ministrar uma aula magna na USP, conseguiu responder ao questionamento que tanto o intrigava: “Estamos caminhando de volta às trevas? Respondi: não! A comunidade científica e o povo brasileiro não se calarão!”

Emocionado, o professor disse que de fato, “o povo brasileiro não se calou. Há pouco mais de um mês derrotamos a truculência negacionista em nosso país”. Completou dizendo que aquela cerimônia é a comprovação de que “a ciência sobreviveu ao cataclismo político promovido pelo governo negacionista que empreendeu um verdadeiro desmonte das políticas públicas em diversas áreas”.

“Tenho a convicção que a ciência voltará a promover grandes avanços para a nossa sociedade, através da autoridade do conhecimento”, completou, concluindo o seu discurso com uma mensagem de Guimaraes Rosa: “O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem!”

Ricardo Galvão ainda saudou a presença dos colegas e os convocou para integrar o trabalho em parceria. “Temos muito que avançar e temos que trabalhar juntos”. E ainda exaltou ainda o quadro dirigente e de funcionários do CNPq que num momento importantíssimo de ameaças sustentaram a ciência contra o governo anterior.

MCTI

Ministra Luciana Santos no ato de nomeação do novo diretor do CNPq, Ricardo Galvão.

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, o CNPq é a principal agência de estímulo à pesquisa científica e de formação de pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento, com mais de 80 mil bolsistas em universidades e institutos do país e no exterior.

Na ocasião, a ministra Luciana Santos ressaltou que a ciência está de volta ao Brasil e defendeu que ciência, tecnologia e inovação sejam políticas de Estado capazes de sobreviver às tempestades.

“Tenho a satisfação de anunciar a recomposição do orçamento do FNDCT e o fim dos limites impostos pela MP 1136, que perderá validade nos primeiros dias de fevereiro. Com a liberação integral dos recursos do FNDCT, principal instrumento público de financiamento da ciência, encerramos um longo período de descaso e desvalorização da pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico do país”.

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Segundo a ministra, essa decisão do governo Lula aponta que a ciência vai atuar no combate à fome, na política de reindustrialização do país e na construção de uma agenda climática e de transição energética para garantir um país independente e soberano.

Presentes na posse, a presidenta da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine, da Academia Brasileira de Ciências, de Helena Nader, entre outros.

O presidente da SBPC, Renato Janine ressaltou que o dia era de celebrar a ciência nacional com o retorno de Lula na presidência. “Temos um governo que defende a ciência, defende a educação, a saúde, a cultura, o meio ambiente e a inclusão social”.
 
Da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, disse que Ricardo Galvão é uma marca da ciência brasileira. “Só posso dizer que hoje é um dia de muita alegria e esperança neste Brasil que já deu certo”, celebrou ela.

A presidenta da Capes, Mercedes Bustamante lembrou da importante parceria entre as duas entidades. “A comunidade recebe o Galvão de braços abertos. Entre o CNPq e a Capes, teremos nos próximos anos, uma grande oportunidade de trabalho em conjunto”.

Perfil

Com 74 anos, Ricardo Galvão é professor de Física do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) desde 1983. Formado em engenharia de telecomunicações pela Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em Física de Plasmas Aplicada pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na tradução do inglês).

Foi diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (de 2004 a 2011), diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (2016-2019), presidente da Sociedade Brasileira de Física (2013-2016) e integrante do Conselho Científico da Sociedade Europeia de Física (2013-2016). Atualmente, compõe a Academia de Ciências do Estado de São Paulo e a Academia Brasileira de Ciências.



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