Ausência de políticas às mulheres aumentou feminicídio no país

O número de casos registrados têm aumentado nos últimos anos. Mulheres negras e pardas são as maiores vítimas.

Rio de Janeiro - Mulheres fazem caminhada em solidariedade às manifestações feministas na América Latina, que tem países com alta taxa de feminicídio, segundo a ONU (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Há 8 anos entrava em vigor a Lei do Feminicídio, estabelecendo o assassinato de mulheres como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Violência doméstica e familiar em razão da condição de mulher passou a ser crime hediondo, aumentando a pena de 12 para 30 anos de prisão.

Este tipo de crime, segundo especialistas, reflete o machismo estrutural e violento da sociedade brasileira e que tem colocado o feminicídio no rol dos mais altos índices de violência do país.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, somente no primeiro semestre de 2022, 699 mulheres foram mortas no Brasil por essa qualificação, uma média de quatro assassinatos por dia. Foi um recorde de mortes contabilizadas.

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Em 2020, o cenário foi ainda mais assustador, em meio ao isolamento social e a diminuição dos recursos para combater a violência contra a mulher, o Brasil contabilizou 1.350 casos de feminicídio no ano. Se comparado com 2019, o crescimento foi de 10,8%. Os dados completos sobre feminicídio no Brasil em 2022 ainda não foram divulgados.

Segundo pesquisa do IBGE, a maioria dos feminicídios acontecem dentro de casa e as mulheres negras e pardas são as maiores vítimas desses casos: 34,8% mais que as mulheres brancas.

Os números são altos e vêm acompanhados pelo crescimento de outros tipos de violência contra mulheres, como lesão corporal dolosa, ameaças e estupros. Nesse período aumentou a emissão de medidas protetivas.

Mobilização

O Distrito Federal registrou em 2022, 24 feminicídios que deixaram 38 crianças e adolescentes órfãos; e 22 tentativas de feminicídios. Nos primeiros dez meses de 2022 foram registradas 13.931 ocorrências de violência doméstica em todo o DF. No mesmo período de 2021, foram 13.712 ocorrências.

Nos primeiros quinze dias de 2023, quatro casos foram notificados.

O Levante Feminista Contra o Feminicídio DF e Entorno realizará na próxima quarta-feira (18), às 19 horas, no Sindicato dos Professores do DF (Sinpro), uma reunião para tratar sobre o assunto.

O impacto da ausência do Estado e das políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher é responsável pelo aumento do número deste tipo de violência. É o que avalia a presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Andréa Santos que também atua no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM).

Segundo ela, os crescentes índices de feminicídio são consequências também dos últimos quatro anos de um presidente que não respeitava às mulheres e tão pouco investia em políticas de enfrentamento à violência.

“Continuamos a ser alvos do ódio produzido pelo machismo estrutural disseminado culturalmente em nossa sociedade que exclui, oprime, silencia, violenta e mata as mulheres”, ressaltou Vanja ao Portal Vermelho.

Especialistas acreditam que os dados oficiais não condizem com a realidade de violência enfrentada pelas mulheres. Eles podem ser bem maiores, pois muitos desses casos não são informados, gerando uma subnotificação.

Apesar da Lei Maria da Pena e de uma estrutura mínima de atendimento nos estados, é notório que a rede para enfrentar a violência foi sendo afetada, se reduzindo a delegacias especializadas de atendimento à mulher e alguns centros de referência.

Em nível nacional, o governo Bolsonaro extinguiu o Ministério da Mulher, tentou a todo custo revogar os direitos femininos e diminuiu cada vez mais o orçamento para as políticas voltados para as mulheres.

Desmonte de políticas de enfrentamento a violência contra a mulher

O relatório do grupo de trabalho da Mulher do gabinete de transição aponta o desmonte das políticas de combate à violência contra a mulher como causa do agravamento da situação.

O documento cita, por exemplo, a paralisação do Disque 180, o encerramento do programa Mulher Viver Sem Violência, deixando as mulheres vítimas de violência sem acolhimento e orientação. Além do orçamento escasso, com uma redução de 90% dos recursos destinos à área e com o encerramento do programa de construção de Casas da Mulher Brasileira.

Mudanças à vista

Com a vitória de Lula e com a restauração do Ministério da Mulher, a presidenta da UBM que é graduada Filosofia e do Conselho Nacional de Saúde (CNS), acredita que o governo representará uma mudança de rumo na sociedade que deve trabalhar com mais foco nos direitos femininos.

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“Temos hoje uma Ministra da Mulher que já indicou que cuidará especialmente do [Disque] 180 e da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres, ocasionando o empoderamento de várias mulheres em espaços institucionais e políticos importantes”, afirma Vanja.

Vanja ressalta como importante a orientação do governo Lula em trabalhar a questão da mulher de forma transversal e a perspectiva de um diálogo permanente dos ministérios com os movimentos sociais, sobretudo para ações de grande impacto. “Fazer as mudanças de rumo de uma sociedade e trabalhar pelo melhor, pelo justo e pela igualdade requer as somas de força das instituições e da sociedade”, defende.

Ao tomar posse, Cida Gonçalves, nova ministra da Mulher, criticou duramente a gestão de Jair Bolsonaro e da ex-ministra Damares Alves, classificando o governo anterior como “usurpador” de direitos, que “não cuidou das mulheres, das famílias e nem dos direitos humanos, muito pelo contrário”, afirmou na ocasião. 

Presidente Lula dá posse a nova ministra da Mulher, Cida Gonçalves. Foto: Reprodução

A ministra disse ainda que a gestão bolsonarista foi responsável pelo desmonte das políticas públicas, extinção de orçamentos e que “atuou na desestruturação institucional, liquidou direitos e, por fim, retirou até a vida de milhares de brasileiras”.

No discurso de posse, Cida adicionou que pautará o seu trabalho no combate à misoginia e no avanço da igualdade salarial e no combate ao assédio moral numa pasta voltado para todos e todas.

“Este será o ministério de todas as mulheres. As que votaram e os que não votaram conosco. E das diversas mulheres que compõem a nossa sociedade. Negras, brancas, indígenas, LGBTQIA+, as do campo, da cidade”, completou.

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