Tempestade que cai sobre Bolsonaro já respinga em Augusto Aras

Tentativa de golpe no domingo, em Brasília, foi o ponto culminante de uma longa escalada antidemocrática liderada por Bolsonaro, sob o silêncio permanente do procurador-geral da República

O procurador-geral da República, Augusto Aras, está em xeque. Imerso em sua realidade paralela, Aras teima em desconhecer que a novíssima conjuntura política no Brasil exige dele e do MPF (Ministério Público Federal) uma atuação mais assertiva. Se sua sorte parecia imune à troca de governo, tudo mudou após os atos golpistas do último domingo (8), com a invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Um dos primeiros a perceber a reviravolta foi Jair Bolsonaro (PL). Ciente da repercussão negativa dos atos promovidos por seus seguidores, o ex-presidente logo foi às redes sociais para condenar o caos. Mas não é fácil dissociar o criador da criatura, nem o diabo do pandemônio. Conforme pesquisa Datafolha, 55% dos brasileiros acreditam – com razão! – que Bolsonaro tem responsabilidade pela desordem na capital federal.

É claro que, dada a singularidade e a amplitude dos eventos de 8 de janeiro, há mais indivíduos e instituições – há mais CPFs e mais CNPJs – que podem ser considerados corresponsáveis. Seja pela ação ou pela inação, seja de modo direto ou indireto, seja pouco ou seja muito, eles contribuíram para o golpismo.

Um dia após o ataque das hordas bolsonaristas, houve o encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com governadores, presidentes da Câmara e do Senado, além de representantes do Judiciário. A reunião se tornou uma histórica manifestação unitária em defesa da democracia – e era visível o desconforto de Augusto Aras à mesa.

Não, os membros da Procuradoria Geral da República (PGR) não foram à Praça dos Três Poderes no domingo, nem vandalizaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional ou o STF (Supremo Tribunal Federal). Só que cabe à PGR a função de investigar e denunciar o presidente da República – e a tentativa de golpe no domingo foi o ponto culminante de uma longa escalada antidemocrática liderada por Bolsonaro, sob o silêncio permanente do procurador-geral.

Há pouco menos de um mês, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico, Aras negou a blindagem. Um procurador-geral da República – disse ele – não pode “condenar previamente pessoas envolvidas em algum evento ilícito”. Além disso, sob seu comando, a PGR abriu oito inquéritos contra Bolsonaro – o que, supostamente, comprovaria sua isenção.

Na mesma entrevista, Aras insistia em desvincular bolsonarismo e golpismo, como se os atos antidemocráticos eclodissem espontaneamente nas ruas, sem direção nem liderança. “Essa irresignação de alguns, pelo menos por enquanto, não pode ser imputada a nenhum partido ou candidato”, afirmou ele, ao comentar a ação de bolsonaristas que, em dezembro, queimaram carros e tentaram invadir a sede da Polícia Federal. “Há muita especulação – e nós, dentro de um Estado Democrático de Direito, não podemos fazer acusações levianas, temerárias e que demandam identificação de autoria.”

Essa retórica de aparência técnica, mas essencialmente ideológica, é o pretexto para Aras continuar leal a Bolsonaro. Com mandato até setembro de 2023, ele chegou ao posto máximo da PGR sem integrar a lista tríplice apresentada pela ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) em junho de 2019, após votação interna. A criminosa negligência do governo Bolsonaro no combate à pandemia e as constantes investidas autoritárias do ex-presidente jamais foram investigadas de modo independente pela Procuradoria.

Daí o discurso tão atabalhoado quanto genérico de Aras na reunião com Lula e autoridades dos Executivos Estaduais, do Congresso e do STF. O procurador-geral da República repetiu ao menos cinco vezes que o Ministério Público Federal “não faltou” à luta pela democracia. “Há dois anos fazemos o trabalho de monitoramento, apagando os pequenos incêndios que surgiram.”

Mas a tempestade que cai sobre Bolsonaro já começa a respingar em Aras. Nesta quinta-feira (12), 79 integrantes do Ministério Público Federal lhe encaminharam representação para cobrar a abertura de uma investigação contra o ex-presidente. No mesmo dia, a Polícia Federal encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres uma minuta de decreto para Bolsonaro intervir no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e mudar o resultado das eleições presidenciais de 2022.

O documento dos 79 subprocuradores e procuradores indica que na terça-feira (10), menos de 48 horas depois dos ataques aos Três Poderes, Bolsonaro cometeu o crime de incitação ao divulgar em suas redes um vídeo golpista. O material contestava, sem provas, as urnas eletrônicas e dizia que Lula não foi eleito pelo povo, mas, sim, “escolhido” pela Justiça Eleitoral e pelo STF.

A representação lembra a Aras o óbvio: a nova publicação de Bolsonaro, embora já apagada, é parte da prolongada campanha de desinformação que o ex-presidente tem executado nos últimos anos. Os atos golpistas e a descoberta da minuta deixaram Bolsonaro em situação jurídica ainda mais crítica – mas também esvaem a reputação que resta a Augusto Aras.

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