Com apoio a Lula, governos latino-americanos alertam para risco regional de golpes

O “Capitólio brasileiro” acendeu um alerta para que governos se unam contra forças desestabilizadoras

Depredação por bolsonaristas no Congresso Nacional. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A solidariedade ao governo de Luis Inácio Lula da Silva e à democracia brasileira veio do mundo todo, de forma contundente. Mas, no contexto continental, o alerta para a ousadia da extrema-direita teve um componente de apelo à unidade democrática entre os vizinhos. Vários governos sul-americanos se equilibram sobre cordas de distúrbios e tentativas de desestabilização golpista.

Há sugestões para que organismos multilaterais se reunam para discutir o que está acontecendo. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro foi o mais direto em cobrar um posicionamento da Organização dos Estados Americanos (OEA): “O fascismo decidiu dar um golpe. As direitas não têm conseguido manter o pacto de não violência. É hora urgente da unidade da OEA, se quiser continuar viva como instituição, e da aplicação da Carta Democrática.” 

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, se manifestou acusando o caráter fascista dos ataques: “Condenamos o ataque às instituições em Brasília, uma ação repudiável e um atentado direto à democracia. Essas ações são indesculpáveis e de natureza fascista.”

Falando como atual presidente do Mercosul e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o presidente da Argentina, Alberto Fernandez, foi enfático.

“Como presidente do Mercosul e da Celac, alerto os países-membros que nos unamos contra esta inaceitável reação antidemocrática que tenta se impor no Brasil. Expresso meu repúdio ao que está acontecendo em Brasília. Meu apoio incondicional e do povo argentino a Lula diante diante dessa tentativa de golpe. Aqueles que tentam desrespeitar a vontade da maioria ameaçam a democracia e merecem não só a sanção legal correspondente, mas também a rejeição absoluta da comunidade internacional”.

Articulação internacional

Até mesmo quando o presidente americano Joe Biden se manifesta classificando o incidente em Brasília como “ultrajante” e anuncia apoio total a Lula, está ecoando um ambiente bem conhecido em seu país. Afinal, o bolsonarismo apenas repetiu uma estratégia já testada em Washington: a invasão do Capitólio, o Congresso dos EUA.

Em comentário ao Portal Vermelho, o historiador e brasilianista James Naylor Green, considera que a OEA já esteja agendando uma reunião. Ele vai mai longe, ao dizer que “é bem provável” que haja uma articulação internacional em torno do que ocorreu em Brasília. 

“Ainda não sabemos se houve uma articulação internacional com Bannon e companhia, mas acho bem provável. Há forças políticas nos EUA e no Brasil muito interessadas em determinar isso. Acredito que vamos aprender muito nas próximas semanas”, afirmou, referindo-se ao estrategista de Donald Trump, Steve Bannon.

São atores ligados a um esquema de desinformação e instrumentalização de plataformas digitais que mantiveram grande cooperação nos últimos anos, partindo de uma mesma cartilha. A proximidade dos Bolsonaros e Donald Trump demonstra a partilha de uma agenda golpista, que se expressa em várias partes do mundo.

Green é co-coordenador nacional da Rede dos Estados Unidos pela Democracia no Brasil e tem agido em seu país para articular forças progressistas em defesa da democracia brasileira. Para ele, a extrema-direita brasileira repete a estratégia da ultradireita norte-americana ao recusar reconhecer o processo democrático por meio da violência.

Mas ele é otimista em apostar na fragilização do bolsonarismo após os atentados de domingo. Para ele, a base parlamentar de Bolsonaro se encontra num beco sem saída, diante da necessidade de condenar os apoiadores do ex-presidente. “O próprio Bolsonaro terá que denunciar o que aconteceu e se distanciar desses atos”, comentou. Como ele sugeriu, as investigações devem chegar até o âmbito internacional.

A invasão ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto estarreceu os norte-americanos e o mundo, dois anos depois de simpatizantes do republicano Donald Trump atacarem o Capitólio, em Washington, deixando cinco mortos. 

“Condeno o ataque à democracia e à transferência de poder no Brasil. As instituições democráticas no Brasil têm nosso total apoio e a vontade do povo brasileiro não deve ser minada. Estou ansioso para continuar a trabalhar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, escreveu Biden, pouco depois das 20h de ontem.

Mais cedo, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, também alertou que “usar a violência para atacar instituições democráticas é algo sempre inaceitável”. 

A deputada democrata Alexandra Ocasio-Cortez prestou solidariedade às autoridades brasileiras e instou o governo Biden a parar de “conceder refúgio” ao ex-presidente Jair Bolsonaro na Flórida. Ela defende a deportação de Bolsonaro para se explicar às autoridades brasileiras. Para ela, não é coincidência que ele esteja na Flórida, próximo a Donald Trump e longe dos acontecimentos.

Também existe desconfianças sobre a viagem do secretário de Segurança do DF, exonerado ontem, Anderson Torres, que viajou para Orlando. Eduardo Bolsonaro, por sua vez, foi a Washington, em 5 de janeiro de 2021. Os ultradireitistas do Brasil e dos EUA são parte de uma rede internacional que coordena estratégias como estas. 

O governo Biden tem a autoridade legal para agir imediatamente em relação à presença de Bolsonaro em solo norte-americano, sem a necessidade de legislação do Congresso.

Multilateralismo

Líderes de organizações multilaterais também manifestaram seu apoio a Lula. António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas  (ONU) condenou os ataques. “Condeno o assalto às instituições democráticas do Brasil ocorrido. A vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas devem ser respeitadas. Tenho plena confiança que assim será. O Brasil é um grande país democrático.”

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, órgão que define as prioridades políticas da União Europeia, disse: “Minha absoluta condenação ao ataque a instituições democráticas no Brasil. Total apoio ao presidente Lula, democraticamente eleito por milhões de brasileiros por meio de eleições justas e livres.”

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou que o governo chinês acompanha com a atenção o que se passa no Brasil, e apoia as medidas do governo brasileiro em defesa da estabilidade política.

“Nos opomos firmemente aos ataques sofridos pelas autoridades, e Pequim apoia as medidas tomadas pelo governo brasileiro para acalmar a situação. Sob a liderança do presidente Lula, o Brasil manterá a estabilidade nacional e a harmonia social”, diz Wenbin em comunicado oficial nesta segunda-feira (9).

O papa Francisco também se manifestou sobre a baderna no Brasil. Na missa desta segunda-feira (9) no Vaticano, Francisco disse se preocupar com o enfraquecimento da democracia, “o que não ajuda a resolver os problemas urgentes dos cidadãos”.

“Penso nas várias crises políticas em diversos países do continente americano, com sua carga de tensões e formas de violência que exacerbam conflitos sociais. casos do Peru, Haiti e, nas últimas horas, o Brasil. É preciso superar as lógicas parciais e trabalhar pela construção do bem comum”, pediu o papa.

O porta-voz do governo da Rússia, Dmitry Peskov, também disse a jornalistas que “condena veementemente as ações dos instigadores de distúrbios, e apoiamos totalmente o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva”.

Outro líder mundial que explicitou a resistência a aventuras golpistas no Brasil foi o presidente da França, Emmanuel Macron.

“A vontade do povo brasileiro e das instituições democráticas deve ser respeitada! O presidente Lula pode contar com o apoio inabalável da França”, posta Macron.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que a ação coordenada representa um ataque à democracia e não pode ser tolerada. Já o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, disse que o governo Lula “tem total apoio do Reino Unido” e condenou a tentativa de golpe.

O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, explicitou que um eventual rompimento da democracia no Brasil pode custar caro ao país.

“Todo meu apoio ao presidente Lula e às instituições eleitas livre e democraticamente pelo povo. Condenamos veementemente o assalto ao Congresso brasileiro e pedimos o retorno imediato à normalidade democrática”.

Para que nunca mais aconteça

Vários governantes do continente, da direita à esquerda, expressaram seu repúdio ao ocorrido em Brasília, pelo que significa para governos frequentemente instabilizados por golpistas.  São países mergulhados em crises econômicas profundas, em que os distúrbios são comuns. Mesmo líderes latino-americanos eleitos por partidos de direita também repudiarem o quebra-quebra em Brasília. Luís Lacalle Pou, presidente do Uruguai, condenou e lamentou “as ações realizadas no Brasil que ameaçam a democracia e as instituições”. Confira algumas declarações: 

“Meu apoio incondicional e do povo argentino a Lula diante desse tentativa de golpe. (…) Estamos juntos ao povo brasileiro para defender a democracia e não permitir, nunca mais, o regresso dos fantasmas golpistas promovidos pela direita.”

Alberto Fernández, presidente da Argentina

“Ataque impressionante aos Três Poderes do Estado brasileiro por parte de bolsonaristas. O governo do Brasil conta com todo nosso respaldo frente a esse covarde e vil ataque à democracia.”

Gabriel Boric, presidente do Chile

“Reprovável e antidemocrática a tentativa golpista dos conservadores do Brasil, incitados pela cúpula do poder oligárquico, de seus porta-vozes e fanáticos. Lula não está sozinho. Tem o apoio das forças progressistas de seu país, do México, do continente americano e do mundo.”

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México

“Condeno as ações de desrespeito e vandalismo perpetradas contra as instituições democráticas de Brasília, pois atentam contra a ordem democrática e a segurança cidadã. Manifesto o meu apoio e o do meu governo ao regime legalmente constituído de Lula”. 

Presidente do Equador, Guillermo Lasso

“Rejeitamos categoricamente a violência gerada pelos grupos neofascistas de Bolsonaro que têm agredido as instituições democráticas do Brasil. Nosso apoio a Lula e ao povo brasileiro que, com certeza, se mobilizará em defesa da paz e de seu presidente.”

Presidente venezuelano, Nicolás Maduro.