Integração com Saúde e Educação é estratégica para Esporte

Com orçamento e integração com políticas de saúde e educacionais, Ana Moser pretende ampliar prática esportiva entre a população.

Depois de aumentar dez vezes o orçamento previsto para o Ministério do Esporte, a ministra empossada Ana Moser, ainda precisará da criatividade e articulação transversal com outros ministérios para conseguir implementar políticas públicas próprias, que alcancem todo o país.

O orçamento previsto inicialmente para a pasta em 2023 seria de cerca de R$ 200 milhões, mas foi negociado durante o período de transição de governo e chegou a cerca de R$ 2 bilhões. Essa mudança orçamentária é reveladora da promoção de status de Secretaria do Ministério da Cidadania para um Ministério próprio.

“Com este orçamento, você não consegue fazer atendimento em escala, ações e projetos que vão atender diretamente a um grande volume da população”, afirmou a ministra em entrevistas.

Com o limite orçamentário, Ana Moser diz que vai procurar se articular com os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social para implementar políticas de sua pasta. “Não existe saúde sem atividade física”, explica ela. 

Tanto a Saúde como a Educação vão renovar seus planos nacionais, que hoje têm poucas metas de inserção da população ou dos estudantes em atividade esportiva. “Ao incorporar essas metas, naturalmente o esporte fica estruturado dentro da educação. Também a saúde preventiva faz uma intersecção com o esporte. Hoje se dá mais remédio do que se promove a atividade física”.

Após esse foco prioritário, ela pretende conversar com os ministérios da Igualdade Racial, da Mulher, dos Direitos Humanos e dos Povos Indígenas. Além disso, já vem de outros carnavais suas conversas com o Congresso sobre propostas para a Lei Geral do Esporte, o Plano Nacional do Desporto e o Sistema Nacional do Esporte, o que contribui para sua interlocução com os parlamentares. 

Esporte amador e de alto rendimento

“Se a política do Esporte estiver integrada às políticas de educação para crianças e jovens, às de saúde para a população de uma maneira geral, às de assistência social para populações desassistidas e integrada à política indígena, o que o Esporte terá de fazer é desenhar boas políticas. É sensibilizar e mobilizar as outras pastas para que a gente possa se integrar em termos de serviços”, acrescentou a ministra.

“Não é de hoje que a gente conversa essas pautas dentro do Legislativo, venho dessa luta. Por isso fui chamada para esta posição. Nós conversamos com o Congresso, mobilizamos, sensibilizados deputados e senadores. Esta conversa já está iniciada até com a própria liderança do governo”, afirmou.

Para Ana Moser, as questões abordadas pelo Ministério do Esporte são “óbvias”. “É difícil você dizer ‘não’ para a atividade física como saúde preventiva”, declarou.

À frente do ministério, ela afirma que sua principal secretaria será a de Esporte Amador, Educação, Lazer e Inclusão Social, que focará em parcerias com Saúde e Educação, para conseguir ampliar o acesso à prática no país.

Ela pretende trabalhar as questões do cadastro nacional na Lei Geral do Esporte, para mapear quem pratica esporte no país. “Não sabemos hoje qual população é atendida por algum tipo de programa esportivo. Nem quantas pessoas, nem onde. Como fazer política sem saber isso?”, questiona.

No Plano Nacional do Desporto, ela acredita que faltam metas concretas para o esporte para todos, ao contrário do alto rendimento. “Não adianta colocar como meta que 100% dos alunos pratiquem educação física três vezes por semana, se não se sabe quantos alunos fazem educação física, nem dizemos como fazer para atingir esse 100% em cinco anos. É uma meta sem compromisso com a realidade”.

Primeira mulher

Nascida em Blumenau (SC), Ana Beatriz Moser, 54 anos, é medalhista olímpica e mundial. Ela jogou como atleta profissional do vôlei por 15 anos. Em 2001, fundou o Instituto Esporte e Educação, do qual é presidente há 20 anos.

Primeira mulher à frente do Ministério do Esporte, depois de uma linhagem de homens e da extinção da pasta no governo Jair Bolsonaro, ela ficou surpresa pela escolha do presidente Lula, pois seu perfil é de “olhar mais para o esporte da população em geral, crianças, adultos, idosos do que focar no esporte de rendimento e alta competição”.

A nova ministra diz que o brasileiro não tem o hábito da prática esportiva e que só consome o esporte pela televisão. Disse que a missão dada pelo presidente Lula é a de transformar o esporte num mecanismo que atenda aos mais necessitados.  “Quando falamos em esporte, temos a visão dos jogos transmitidos pela TV. Esse esporte é importante e forte, mas só atinge 4% da população. O presidente [Lula] despertou para o esporte como meio de atender os mais necessitado”, diz ela.

Herança bolsonarista

O lutador de taekwondo Diogo Silva, campeão pan-americano em 2007, também integrará a equipe do ministério ocupando o cargo de assessor especial do ministério. Agora, ela corre para conseguir personalidades que admira no esporte, na gestão pública e na política que aceitem compor sua pasta.

De acordo com Ana Moser, a ex-jogadora de basquete Marta Sobral, prata em Atlanta-1996, será secretária de Esporte de Alto Rendimento. Um dos desafios de Marta será trabalhar na valorização do Bolsa Atleta, principal programa do Ministério, criado em 2005 por Lula, para patrocinar atletas com chances de medalhas. Não há reajuste desde 2015 no programa, com as categorias estudantil e de base recebendo R$ 370 até hoje. 

Este é um legado do governo Bolsonaro que ela precisará superar. A diminuição do status da pasta, sem autonomia e orçamento próprio, implicou em desmonte de secretarias estaduais e municipais também. Há equipamentos públicos como o Parque Olímpico no Rio de Janeiro, que tiveram baixa ocupação e precisam ser mobilizados pela dimensão que têm.

Houve uma acomodação do governo Bolsonaro ao que já havia, sem criação de políticas novas ou consolidação das existentes. “Nós chegamos aqui e alguns programas só tinham um nome, não tinham nem diretor, nem orçamento, nem desenho. Foram feitas coisas pontuais, mas efetivamente política teve muito pouco”, disse Ana.

As sucessivas trocas de comando na chefia da Secretaria Especial de Esporte são apontadas como reflexo da militarização e do aparelhamento promovidos pelo governo federal. Houve titular da pasta que foi exonerado porque resistiam a contratar o padrinho de casamento do filho de Bolsonaro na Secretaria.

Com a pandemia, Bolsonaro se dedicou a impedir que o socorro emergencial chegasse aos profissionais do segmento esportivo. Mas também impediu o aumento do limite de dedução para doações e patrocínios à Lei de Incentivo ao Esporte. Fora que vetou a renegociação de dívidas de clubes esportivos com a União com as dificuldades da pandemia.

Legado comunista

Por outro lado, o legado olímpico permitiu uma série de avanços que tornaram o trabalho com esporte no Brasil mais sério e respeitado. Nos governos de Lula e Dilma, o PCdoB esteve no comando do Ministério do Esporte que adquiriu envergadura, incidência, protagonismo e muito diálogo com o setor. 

Foram ministros Agnelo Queiroz, que então era deputado federal pelo PCdoB do DF, autor de vários projetos de leis na área do esporte, e Aldo Rebelo, que tinha um trabalho grande na CPI da Nike. Depois vieram Orlando Silva, que hoje é deputado federal e Ricardo Leiser, que ficou na reta final do ministério. Foi um momento de ousadia com a disposição de organizar uma Olimpíada e uma Copa do Mundo.

Ana defende que, em termos esportivos, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) e as confederações ganharam muito com patrocínios, convênios diretos com o governo e o dinheiro das loterias— que deu uma condição de desenvolvimento grande para as modalidades. 

Houve contratação de técnicos estrangeiros, com preparação de equipes juvenil e adulta. Houve estruturação em modalidades que recebiam quase nenhuma atenção pública, como o hockey de grama, o rugby, o BMX, a canoagem, a luta greco-romana e o boxe. “Tivemos bom resultado na Rio, em Tóquio e é provável que se mantenha em Paris, por esse ganho técnico. Mas não se ampliou a base de praticantes, nem se aumentou a cultura do esporte. Hoje somos uma população mais sedentária do que éramos antes”, lamenta ela, defendendo a falta de continuidade e ampliação de políticas públicas que cheguem a toda a população.

“A gente tem a chance de dar continuidade a isso. Hoje o Brasil lida de uma forma mais madura com o esporte”, afirma.