Políticas sociais ignoram aumento de 38% na população de rua

Crescimento vertiginoso no governo Bolsonaro equivale ao dobro da população de rua no governo Dilma, mais de 281 mil pessoas

(José Cruz/Agência Brasil)

Governos e Prefeituras não estão preparadas para atender a demanda gigantesca de pessoas morando nas ruas das cidades brasileiras. A população em situação de rua no Brasil cresceu 38% entre 2019 e 2022, segundo um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, nesta quinta-feira (8). 

Embora não haja estatísticas nacionais unificadas, pelo menos 281,4 mil pessoas estão vivendo nas ruas, num crescimento mais de três vezes maior que o da população domiciliada. Ao comparar com 2016, no fim do governo de Dilma Rousseff, quando havia 138,7 mil pessoas, o número atual é exatamente o dobro, seis anos depois.

O aumento de pessoas nesta condição de miserabilidade é bem maior que o crescimento geral da população, que foi de apenas 11%, segundo as estimativas. Portanto, não seria um crescimento proporcional, mas motivado por fatores como a pandemia de covid-19 e a incapacidade das macropolíticas públicas de evitar que as pessoas decaiam para este patamar.

Especialistas apontam como motivos comuns para uma pessoa ir para a rua dificuldades para se inserir em políticas de moradia, desistência de ser inserido no mercado de trabalho, incapacidade de pagar aluguel, além de falta de políticas de saúde pública que atendam de forma adequada o alcoolismo, drogadição e problemas de saúde mental. Desta forma, o desmonte acelerado do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) pelo governo Bolsonaro, assim como a incapacidade de socorrer as famílias vulneráveis no momento da pandemia, em que a economia foi paralisada, contribuíram para o quadro atual.

Na última semana, o Gabinete de Transição do governo eleito para 2023 denunciou uma série de irregularidades no Cadastro Único do SUAS pelo governo Bolsonaro, com objetivo de favorecimento a parcelas da população em pleno período eleitoral. Com isso, se observou injustiças envolvendo pessoas vulneráveis que perderam direitos, enquanto outras acumularam benefícios sociais.

Os dados também demonstram que não há fatores regionais claros no fenômeno, pois os avanços são significativos em todas as regiões do País, tanto em municípios pequenos, médios ou grandes.

Os números divulgados nesta quinta-feira, alerta o instituto, podem estar subestimados, pois não há estatísticas oficiais do IBGE que considerem as pessoas não domiciliadas. Segundo o Ipea, os dados usados são fornecidos por prefeituras, mas divergem significativamente de levantamentos alternativos realizados por organizações não governamentais, em especial, nas grandes metrópoles.

Subnotificação

O número real de sem-teto pode ser muito maior que esses verificados pelas pesquisas. A falta de dados exatos, como aqueles relativos à população domiciliada, dificulta aos governos criarem políticas públicas direcionadas, capazes de atender a dimensão real desta população. 

Um exemplo citado é dificuldade do Ministério da Saúde em alocar um número adequado de vacinas contra a covid-19 para essa população durante a pandemia. Há ainda outros problemas como a dificuldade no acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou mesmo ao recebimento de benefícios sociais, como o Auxílio Brasil. Soma-se a isso as dificuldades de dimensionar políticas de seguridade social – incluindo acolhimento institucional, abordagem social, atendimento socioassistencial, oferta de alimentos, espaços de convivência, atendimento médico e odontológico, bem como procedimentos de saúde.

Os orçamentos públicos ficam incapacitados de planejar oferta de serviços públicos, alocações de recursos humanos e construção de novos espaços de atendimento. Com isso, essas pessoas são vítimas de violação de direitos básicos de cidadania.

Segundo o autor do estudo do Ipea, o pesquisador Marco Antônio Carvalho Natalino, em 2010, essa população foi incluída no Cadastro Único e, em 2011, passou a ter direito de acesso aos serviços do SUS mesmo sem comprovante de residência. Já em 2012, foi regulamentado o funcionamento dos Consultórios na Rua (CnR). No entanto, a manutenção dos dados ainda é imprecisa e dificulta a criação de políticas públicas.

Para a estimativa atual, o Ipea recorreu a dados oficiais informados por administrações municipais. Natalino baseou-se ainda nos dados do Censo Suas (2021), processo de monitoramento do Sistema Único de Assistência Social, no último dado disponível do Cadastro Único (CadÚnico), de julho de 2022, além de um conjunto de variáveis socioeconômicas como taxas municipais de pobreza e de urbanização.

“Como essas fontes alternativas via de regra indicam um número de pessoas em situação de rua maior que as fontes oficiais, na medida que essas fontes alternativas forem mais acuradas que as utilizadas, a estimativa a ser apresentada nesse estudo terá um viés de subestimação”, alerta o pesquisador.

O estudo revela que é bem mais difícil a contagem de pessoas não domiciliadas do que aquelas com endereço fixo. Por conta disso, a medição é feita em torno das pessoas que o Estado “consegue enxergar”, ou seja, aquelas que recorrem a serviços públicos.

Com esta inexatidão e falta de estatísticas oficiais, o estudo denuncia que a população em situação de rua segue sendo vítima de uma violência praticada pelo Estado, por ser tratada como cidadãos de segundo classe e sem direito a políticas direcionadas.