Cristina Kirchner acusa perseguição judicial em condenação por corrupção

Tribunal considera vice-presidenta da Argentina culpada por desvio de verbas e condena a 6 anos de prisão

Cristina Kirchner discursa no Senado após o veredito condenando-a

A vice-presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, acusou ser vítima de “lawfare”, diante da condenação a seis anos de prisão por corrupção. Lawfare é quando o sistema judiciário persegue um investigado por razões políticas. “A sentença foi escrita em 2 de dezembro de 2019, na primeira vez em que testemunhei neste julgamento”, sustenta ela.

A condenação foi declarada nesta terça-feira (6), quando a liderança de esquerda foi considerada culpada de administração fraudulenta na ação que ficou conhecida como “Causa Vialidad”, a que estava em estágio mais avançado entre as que a envolvem. Ainda cabe recurso à decisão.

Ainda nesta terça, apoiadores se uniram em defesa dela na frente do tribunal de Comodoro Py, embora a sessão tenha sido remota.

Máfia judicial

A vice-presidenta ainda define os que a condenam como “um estado paralelo e uma máfia judicial”, mais que um lawfare. “E a confirmação da existência de um sistema paraestatal onde são tomadas decisões sobre a vida, o patrimônio e a liberdade dos argentinos, que está fora dos resultados eleitorais”.

Cristina Kirchner também fez referência a um vazamento ilegal de supostas mensagens privadas trocadas em um grupo na plataforma Telegram por quatro juízes, um promotor, o ministro da Justiça da cidade de Buenos Aires e diretores do Grupo Clarín que compartilharam, em outubro, uma viagem a casa de campo do empresário britânico Joe Lewis, na Patagônia. 

Ela também faz as ligações entre esses e outros altos-funcionários do Judiciário que também frequentam a fazenda do ex-presidente e adversário Mauricio Macri, em Liverpool. De quebra, suspeita da grande imprensa argentina, por participar desses convescotes da elite que a condena.

“Este é o país que temos hoje e este é o Poder Judiciário que a República Argentina tem hoje”, disse Cristina Kirchner.

Em entrevista a Folha de S. Paulo, no último domingo (4), Cristina comparou sua situação à do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, e Rafael Correa, ex-presidente do Equador, cujas condenações também foram qualificadas como lawfare. As condenações dadas por Sergio Moro contra Lula na Operação Lava Jato foram anuladas por parcialidade do ex-juiz, entre outras razões técnicas. Moro já foi a Argentina tirar fotos com o juiz que a condenou.

“O poder econômico da mídia que ela controla numa espécie de Estado paralelo e que restringe permanentemente. É também um sistema disciplinar. A pena não é de seis anos ou prisão, a verdadeira pena que dão é a inabilitação perpétua para o exercício de cargo político eletivo.Todos os cargos políticos que acessei foram sempre por voto popular: ganhamos quatro governos peronistas de sobrenome Kirchner. Em 2003, 2007, 2011 e também contribuímos para a vitória em 2019. Por isso me desclassificam.Deixe-os contar como quiserem. Esta é a verdade, por isso eles estão me condenando”.

Prejuízo eleitoral

A pena foi fixada em 6 anos de prisão, com inabilitação perpétua para exercer cargos públicos. Ela foi inocentada do delito de associação criminosa, mas é alvo de inúmeros processos. A acusação atual se refere ainda ao mandato de seu marido e antecessor, Néstor (1950-2010), que também foi governador de Santa Cruz.

Como tem foro especial por ser vice-presidenta e líder do Senado, ela precisaria sofrer um processo de impeachment no Parlamento. Isto, no entanto, só pode ocorrer quando forem esgotadas todas as instâncias de apelação. Antes de tudo isso, Cristina pode até ser candidata a sucessão de Alberto Fernández, embora tenha negado, hoje.

“Não vou ser candidata. Além do mais, ótimas notícias para você, [Héctor] Magnetto. No dia 10 de dezembro de 2023 não terei privilégios, não serei vice-presidente. Assim ele poderá dar ordem aos seus capangas da Cassação e do Supremo Tribunal para me colocarem na cadeia”, assegurou, e anotou: “Seu bichinho de estimação, nunca. Não vou ser candidata a nada, nem a presidente, nem a senadora. Meu nome não estará em nenhuma cédula.Termino como voltei em 10 de dezembro de 2015 para minha casa″.

Acusação

Em agosto, a acusação conduzida pelos promotores Diego Luciani e Sergio Mola havia pedido 12 anos de prisão à vice-presidente, que ela fosse impedida de concorrer a cargos públicos para o resto da vida e que devolvesse aos cofres públicos 5,3 bilhões de pesos (R$ 200 milhões).

Cristina reiterou que está sendo condenada por gestão fraudulenta, embora tenha apenas sancionado a lei orçamentária aprovada por deputados e senadores. 

“Além disso, constrói-se a imagem de ladrão, imputando-me crimes patrimoniais quando, na verdade, quando terminei meu mandato, eu tinha os mesmos bens pelos quais já fui investigada três vezes”, disse ela à Folha, falando da dificuldade que há de processarem-na por enriquecimento ilícito.

O Ministério Público Fiscal acusava Cristina de ter liderado uma “extraordinária matriz de corrupção”, armando e administrando, ao lado de outros 12 réus, um esquema de desvio de verbas na forma de concessões de obras públicas na província de Santa Cruz à empresa de um amigo da família Kirchner. Lázaro Báez foi condenado a 6 anos de prisão.