Como Bolsonaro arrastou militares para o golpe – e para o vexame

Maior legado da parceria golpista entre Bolsonaro e as Forças Armadas foi o desgaste dos militares junto à opinião pública

A imprensa era só piada com as Forças Armadas na manhã de 10 de novembro. Um dia antes, o Ministério da Defesa havia enviado o prometido relatório ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sobre o processo de fiscalização das urnas eletrônicas. A conclusão do documento era clara: segundo a equipe de técnicos militares, não havia nenhum indício de irregularidade na votação.

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, disse ter recebido o relatório “com satisfação. Em nota, o ministro lembrou que, “assim como todas as demais entidades fiscalizadoras”, os militares não apontaram “a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”.

Foi o pretexto para despertar Jair Bolsonaro (PL) de sua letargia e reclusão no Palácio da Alvorada. Constrangido com o relatório e irritado com a resposta de Moraes, o presidente da República ordenou a Defesa a rebater o próprio documento, relativizando suas indicações. Assim, na manhã do último dia 9, uma nota oficial da Defesa impôs mais um vexame às Forças Armadas. Conforme a nota, “o acurado trabalho” dos militares, “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral”.

O fim da gestão bolsonarista deve encerrar a temporada de vergonhas militares recentes. Desde o início do governo, Bolsonaro conseguiu arrastar oficiais das três Forças para o golpe. Com base em dados da Defesa e do TSE obtidos via Lei de Acesso à Informação, um levantamento da Folha de S.Paulo mostrou a amplitude da sujeição da caserna às teorias conspiratórias e golpistas do presidente.

“Da busca por informações sem lastro utilizadas por Jair Bolsonaro (PL) para atacar o sistema eleitoral eletrônico em suas lives, passando pela atuação inédita na testagem das urnas nas eleições, até o relatório final e as subsequentes notas públicas que tentam manter acesa a suspeita infundada de fraude em bolsonaristas mais radicais. Todas as investidas contra o sistema eleitoral no governo Bolsonaro têm ou tiveram alguma participação de integrantes da ativa ou reserva das Forças Armadas”, indica a Folha.

De acordo com o jornal, o presidente recorreu inicialmente a militares que estavam em postos-chave no governo. Investigações feitas pela Polícia Federal (PF) no âmbito do inquérito das fake news identificaram o DNA de dois generais no discurso e nas ações golpistas de Bolsonaro: os ministros Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno. Segundo a PF, eles os dois “agiram para golpear o sistema eleitoral”.

Com o fracasso dessa investida, “as próprias Forças Armadas e o Ministério da Defesa passaram a atuar diretamente”. Exército, Marinha e Aeronáutica “entraram no circuito para produzir os elementos necessários para os bolsonaristas continuarem com os ataques e a disseminação de desinformação”. Da pré-campanha à campanha eleitoral, a Defesa e as Forças Armadas chegaram a encaminhar mais de 80 questionamentos ao TSE.

Mesmo com o relatório de 9 de novembro, bolsonaristas mais extremados continuaram nas ruas, aglomerando-se, invariavelmente, na porta de quartéis do Exército, a reivindicar uma intervenção à margem da lei. Comandantes das Forças Armadas alertaram Bolsonaro para o risco de continuidade dos atos antidemocráticos, frisando que os protestos poderiam se tornar incontrolável – e talvez se virassem contra o governo e os militares.

O presidente da República voltou a participar de atos públicos, de modo esporádico, sem discursar. Faltam 25 dias para acabar o governo. Vexame após vexame, o maior legado da parceria golpista entre Bolsonaro e as Forças Armadas foi o desgaste dos militares junto à opinião pública.

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