Oposição assume violentas práticas fascistas na Bolívia

O jornalista Leonardo Wexell Severo entrevistou o especialista em gestão pública, Romeo Amorim sobre a situação de violência fascista e locaute em Santa Cruz contra o governo de Luis Arce pelo adiamento do Censo.

Sede da Federação Sindical dos Camponeses foi incendiada pelos fascistas em Santa Cruz (Foto: La Vanguardia) Suástica nazista é estampada em um carro nas ruas de Santa Cruz. (Foto: Emílio Diaz) e o especialista em gestão pública, Romeo Amorim.

Desde que o golpe contra Evo Morales foi debelado e o presidente de esquerda Luis Arce ganhou a eleição, a oposição golpista concentrada em Santa Cruz, região rica da Bolívia, radicalizou-se para a violência. Segundo o especialista em Desenvolvimento Municipal e Administração Pública da Bolívia, Romeo Amorim, o governo Arce tem dificuldade de reagir à altura aos atentados, devido ao apoio de setores da elite e da mídia local. A atitude do governo, por outro lado, gera ainda mais repulsa à violência unilateral das milícias de direita, que já levaram a quatro mortes.

“O fato é que os fascistas de Santa Cruz estão isolados, então querem sangue, necessitam de vítimas para levantar suas bandeiras e dizer que o governo de Luis Arce é assassino. Mas, até agora, já são quatro mortes, e todas foram eles que produziram”, afirmou Amorim, em entrevista ao jornalista Leonardo Wexell Severo.

A violência tem sido justificada como parte dos protestos contra o atraso no Censo da População e da Moradia para 2024. Estão sendo realizadas greves, bloqueios e ataques a comerciantes que queiram trabalhar, o que tem prejudicado a economia da região. 

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O censo deveria ser realizado de dez em dez anos e foi postergado em virtude do golpe de Estado de Jeanine Añez contra o presidente Evo Morales, em 2019, e a epidemia de coronavírus. Os resultados do censo têm a ver com as medidas estatais posteriores, como a redistribuição de recursos públicos e de cadeiras do legislativo.

Por definição de oito dos nove departamentos, o censo está garantido para o início de 2024 e a distribuição de recursos correspondentes para o final do mesmo ano. Além disso, Santa Cruz se isola das mais de 300 autoridades municipais e mantém sua exigência de realização em 2023.

Amorim destacou que o locaute levantado por uma casta local dirigida pelo governador Luis Fernando Camacho e pela União da Juventude Cruzenhista (UJC) foi derrotado nas suas pretensões de adiantar, sem qualquer critério, o Censo de 2024 para 2023. 

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“Santa Cruz está isolada pois todos os demais departamentos [oito dos nove estados] já se manifestaram que não estão de acordo com a sua proposta. E também se isolou do ponto de vista do empresariado, que pediu publicamente que parem os protestos. A maioria está aceitando o decreto presidencial que fixa o censo para 2024”, ressaltou Amorim. Para o histórico defensor do processo de mudanças, “Camacho adota uma intransigência que vai além do racional e serve somente aos interesses dos Estados Unidos, que está de olho no estratégico lítio boliviano”. 

Santa Cruz

Segundo Amorim, desde 1956, Santa Cruz reage a reformas estruturais de esquerda. Naquela época, o governo do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) promoveu a reforma agrária, o voto universal, e o fim do monopólio da mineração dos três barões do estanho.

Os falangistas fascistas combatiam a luta social apoiando-se na crítica ao centralismo, que causava muito dano ao país, pois tudo ficava concentrado na capital, La Paz. “Eles souberam se aproveitar desta situação para fazer política com o chamado comiteísmo. E cada vez que queriam algum objetivo político, armavam e convulsionavam Santa Cruz.”

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Em 2005, essas milícias voltam a atacar quando são novamente derrotados pelo governo do Movimento Ao Socialismo (MAS). Em 2008, criaram a Meia Lua [área do país onde a população não é majoritariamente indígena], com o apoio dos departamentos [estados] de Beni, Pando e Tarija para atuar pela divisão da Bolívia. “Uma estratégia separatista, que havia sido aplicada há pouco tempo na Iugoslávia”, diz ele, lembrando que Philip Goldberg assume a Embaixada dos EUA, após a vitória de Evo Morales, vindo diretamente de Kosovo, onde havia atuado no processo separatista da Iugoslávia.

Durante a eleição de 2005, Goldberg declarou que votar em Evo Morales significaria perder todo o apoio dos Estados Unidos, no que gerou mais repúdio à ingerência norte-americana. “Uma vez eleito, o presidente agradeceu publicamente ao embaixador por ter sido o seu melhor cabo eleitoral na campanha”, diz Amorim, rindo.

Fascismo estimulado

Os falangistas de Santa Cruz utilizam-se de brutalidade desde os chamados “paros cívicos”, desencadeadas pela União Juvenil Cruzenhista. Segundo o especialista, são grupos de jovens treinados militarmente, com formação e organização militar. “Se as paralisações organizadas pelo Comitê Pró-Santa Cruz fossem voluntárias, nenhuma seguiria adiante”, diz ele, sugerindo o caráter financiado e planejado das ações de oposição.

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Amorim relata que os milicianos chegam em carros ou motos e param em frente às lojas com seus cacetetes onde estão trabalhando as pessoas e as ameaçam. Há um último vídeo de um café em pleno centro da cidade em que essas falanges começam a ameaçar a todos para que saiam e fechem o local.

“Então, quem quer trabalhar, como os transportistas, têm medo de ser agredidos por esses grupos paramilitares. Por isso não surpreende o fato de milicianos terem colocado fogo na Federação dos Camponeses ou saqueado a Central Operária Departamental (COD), que simbolizam a resistência dos movimentos sociais”, conta. 

Reação do governo

Desde 2008 o governo central tem adotado a tática de não responder à violência. Com isso, estimulados pela impunidade, esses grupos queimaram e saquearam instituições do Estado, como o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA), e roubaram documentos importantes de direito à propriedade da terra, e que lhes interessava desaparecer.

Em 2019 tomaram de assalto o órgão eleitoral de Santa Cruz, uma ação coordenada a nível nacional, com o objetivo de destruir todas as informações armazenadas.

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O governo tem buscado evitar a confrontação, mas as pessoas acumulam uma revolta e reagem diante da prepotência destes grupos de direita. “É o momento que essas falanges se aproveitam do seu poder midiático para transformar companheiros que estão se defendendo – e que são vítimas – em agressores, em vândalos e tudo o mais”.

No caso da polícia, quando eventualmente age para evitar maiores danos, grupos de mídia denunciam que a segurança pública está agindo a serviço do MAS. “Lembro que em 2008 essas mesmas milícias agrediram o comandante departamental da Polícia de Santa Cruz”, diz.

Prejuízo à elite

O prejuízo econômico deste locaute iniciado em 22 de outubro já ultrapassa os US$ 700 milhões [como apontou o ministro da Economia] e as perdas vão se acumulando. Ele conta que o setor produtivo de Santa Cruz já defendeu publicamente que as milícias parem com os seus atos. “No entanto, a resposta que lhes deram foi colocar pneus em frente à Câmara de Comércio e atear fogo. Esta é uma demonstração clara do método de intimidação que utilizam”. 

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Amorim continua relatando a série de atentados cometidos. Ameaças à ministra da Presidência e sua família, ao secretário-executivo da Central Operária Departamental que também foi roubada. Um motoqueiro enforcado por uma corda estendida numa avenida. “Agora que estão identificados, o candidato deles à Prefeitura de Santa Cruz vem a público dizer que a responsabilidade é do jovem. Imagine o raciocínio doentio que põe a culpa na corda e no morto por ter passado ali”.

O analista acredita em mais algum tempo de enfrentamento, com apoio de empresas de transporte e alguns comerciantes, apesar do radicalismo injustificável. Também há uma disputa no Congresso que tramita com celeridades propostas legislativas para atender as demandas do locaute, que, assim que são atendidas, criam outras para alongar o conflito.

“Estão buscando se articular com os militares para um novo golpe de Estado? Nasce a preocupação e é importante que fique este questionamento como um alerta.” 

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