Suplantar a cultura do ódio demanda tempo

A ascensão de Bolsonaro à presidência da República, há 4 anos, coroou um movimento de múltiplas vertentes destinado a demonizar atividades políticas

Ilustração: Francisco Goya - Dos viejos comiendo. 1820-1823.

A ascensão do capitão reformado Jair Messias Bolsonaro à presidência da República, há 4 anos, coroou um movimento de múltiplas vertentes destinado a demonizar a atividade política, questionar as instituições e partidos, tendo como alvo principal o pensamento e as forças organizadas de esquerda.

E com a caneta na mão, como se diz, Bolsonaro mostrou-se ineficiente em praticamente todas as áreas de governo, porém se fez vetor principal da disseminação de uma perversa cultura do preconceito, da discriminação e do ódio.

A máquina de propaganda, sobretudo digital, posta em ação fez do presidente da República uma espécie de símbolo — porque líder de fato não é, falta-lhe competência — dos piores sentimentos e impulsos que uma sociedade doentia pode externar.

Agora, derrotado nas urnas e recluso, falta-lhe um discurso consistente que alimente a turba ignara. Alguém do seu entorno ainda não foi capaz de lhe oferecer o script.

Mas a sociedade brasileira segue dividida.  

Dias atrás, cá em Pernambuco, um médico assumidamente bolsonarista se espantou ao ser interrompido em viagem a Caruaru, no bloqueio parcial da estrada, só liberado depois de constatado que seu nome não constava numa lista de profissionais de saúde eleitores de Lula.

Episódios semelhantes se registram pelo país afora, sobretudo em cidades pequenas e médias do Centro Sul.

A radicalização política é expressão de uma polarização social real e concreta.

Estudo do World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), que integra a Escola de Economia de Paris, divulgado em 2021, considera o Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total; os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos do que os 10% mais ricos; a metade mais pobre no Brasil possui menos de 1% da riqueza do país e o 1% mais rico possui quase a metade da fortuna patrimonial brasileira. 

A pulverização do sistema produtivo sob o impacto mundial do neoliberalismo, o atraso industrial, científico e tecnológico e o reforço negativo da subalterna posição do Brasil no mercado internacional, fundamentalmente localizada na exportação de commodities de produtos primários, tem como subproduto a desorganização do mundo do trabalho.

Ou, melhor dizendo, a reorganização em bases degradadas. 

Uma parcela minoritária da mão de obra altamente qualificada e envolta em processos de produção de bens e serviços mediante tecnologia de ponta convive com uma imensa maioria empregada em atividades medianas ou submetidas à informalidade.

Tudo parece conspirar em favor de “um salve-se quem puder” que continuamente esgarça o tecido social. Caldo de cultura do individualismo mais exacerbado.

Assim, diz-se que o conservadorismo tacanho e uma espécie de pensamento difuso de direita “saíram do armário” com a eleição de Bolsonaro em 2018 e nos quase 4 anos do seu governo.

A eleição de Lula abre a perspectiva de enfrentamento dessa cultura preconceituosa e odienta, é verdade. Mas certamente é uma obra política e cultural gigantesca, que demanda lapso de tempo muito mais largo do que o mandato do novo presidente da República.

Uma luta de longo curso.

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