Ligações perigosas: o que está por trás dos atos de golpistas bolsonaristas 

Organização orquestrada e suspeita de participação de empresários e de fabricantes de armas estão entre as peças que formam o quebra-cabeças dos atos antidemocráticos

Imagem: site do deputado Carlos Zaratini

Pouco a pouco vai tomando forma o cenário por trás dos protestos e bloqueios golpistas que ocorrem desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições presidenciais contra Jair Bolsonaro (PL) no dia 30 de outubro. Como já vinha sendo sinalizado por órgãos que apuram tais atos, empresários de alto poder aquisitivo podem ter financiado as manifestações, inicialmente vendidas como uma reação espontânea de parte do eleitorado antidemocrático que não aceitou o resultado das urnas. 

No entanto, houve organização e planejamento. E ao que tudo indica,  o financiamento desses homens de negócio teve papel central nas  interdições que ocorreram em diversos pontos do país estimuladas pela falsa ideia, propagada via redes sociais, de que o resultado teria sido fraudado. 

Importante pontuar que, na verdade, partiu de Bolsonaro e de seus apoiadores — e não de seus opositores — iniciativas nada republicanas ocorridas durante as eleições. Basta lembrar, entre alguns fatos, o uso abusivo da máquina estatal para a concessão de auxílios e para a redução de preços de itens como a gasolina; o orçamento secreto; o assédio eleitoral por parte de empresários e pastores bolsonaristas contra o voto em Lula; disseminação de violência política; uso de propaganda irregular; propagação de fake news e o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal, que atuou para dificultar o acesso de eleitores aos locais de votação em regiões onde Lula tinha maior intenção de votos e depois foi omissa aos protestos de bolsonaristas. 

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Envolvimento empresarial

Para averiguar a participação e financiamentos por parte de empresários e autoridades públicas, o Supremo Tribunal Federal (STF) está rastreando vários deles. Após reunião entre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Alexandre de Moraes, e procuradores-gerais de São Paulo, Santa Catarina e Espírito Santo na terça-feira (8), o representante do estado paulista, Mário Luiz Sarrubbo, afirmou, segundo o G1: “Há uma grande organização criminosa com funções pré-definidas, financiadores, arrecadadores, como é de conhecimento público, tem vários números de pix. Agora temos que estabelecer quem exerce qual função”. 

Sarrubo apontou ainda: “São empresários que são financiadores. Nós já temos alguns nomes, que não podem ser revelados, porque ainda estão sendo investigados”. 

Uma das apurações que estão em andamento aponta que o empresário do ramo de transportes Emílio Dalçoquio Neto, de Santa Catarina, teria sido um dos líderes dos bloqueios ilegais ocorridos no estado. O nome dele consta de documento enviado pela PRF ao Supremo Tribunal Eleitoral (STF). Dalçoquio também foi um dos incentivadores da greve — ou talvez  locaute, prática do patronato proibida pela legislação brasileira — de caminhoneiros em 2018. 

O órgão também informou que foram multadas 40 pessoas físicas e dez empresas por organizarem os atos. No ofício, são citadas, além do empresário, outras 22 pessoas envolvidas com o movimento. Ao menos 12 empresários e agentes públicos de SC foram identificados. 

Outro empresário catarinense do bolsonarismo raiz, Luciano Hang, também se envolveu na mobilização golpista, enviando caminhões de sua cadeia de lojas para os bloqueios, conforme noticiou a agência Pública. Ambos, aliás, faziam parte do grupo de Whats App formado por empresários que defenderam o golpe no caso da eleição de Lula — fato revelado pelo portal Metrópoles em agosto. Outro nome que também figura entre os possíveis mobilizadores dos atos é Luiz Henrique Crestani, do grupo Luke. 

No Mato Grosso do Sul, o Ministério Público denunciou três empresários — um do ramo de restaurantes e outro proprietário de loja de insumos agropecuários, além da responsável pelo Centro de Tradições Gaúchas de Dourados — por financiamento dos atos. 

Neste mesmo sentido caminhou investigação feita pela Polícia Civil do Pará. Relatório enviado ao STF indica a participação de um vereador e vários ex-vereadores, um procurador municipal, um assessor de deputado federal e inúmeros empresários na organização e financiamento dos atos, que tiveram inclusive distribuição de água, alimentos, camisetas e bandeiras, de acordo com a Folha de S.Paulo

Segundo apontou a jornalista Patrícia Campos Mello, “em tese, aqueles que participaram de atos com bandeiras golpistas podem responder por crime de incitação à prática criminosa, previsto pelo Código Penal, com pena de detenção de até seis meses ou multa”. Além disso, destaca que “a lei do Estado democrático de Direito —sancionada em 2021 para substituir a Lei de Segurança Nacional, da ditadura militar— acrescentou que quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes e instituições também responde pelo crime”. 

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Armas artesanais

Outro fato grave relativo aos protestos foi a prisão de dois homens suspeitos de envolvimento também em Santa Catarina. Com eles foram encontradas 11 armas de fogo, incluindo fuzis, e R$ 125 mil em espécie, de procedência desconhecida, além de balas, supressores de ruídos, entre outros equipamentos. 

Eles são investigados tanto pelos atos antidemocráticos quanto pela suspeita de fabricarem e venderem armas ilegalmente no Oeste do estado, além de prática de usura, extorsão e participação em peculato. 

Um deles tem registro como Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) junto ao Exército. Esse tipo de permissão explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro, que criou uma série de medidas de estímulo ao armamento pela sociedade. Desde 2019, o número de CACs triplicou em relação ao registrado em 15 anos, entre 2003 e 2018, passando de mais de 171 mil naquele período para mais de 549 mil de 2019 até este ano.