Prisões desmoralizam orçamento secreto e deixam Bolsonaro na defensiva

Segundo a deputada Jandira Feghali, “se as investigações prosseguirem, muito mais será revelado sobre esse esquema criminoso que retira recursos de políticas importantes para comprar apoio”

Uma operação da Polícia Federal (PF), deflagrada na manhã desta sexta-feira (14), jogou o orçamento secreto para o centro do noticiário político e eleitoral. Ao que tudo indica, as prisões dos irmãos Roberto Rodrigues de Lima e Renato Rodrigues de Lima, no Maranhão, serão as primeiras de uma série que desmoraliza de vez essa modalidade nada transparente e altamente suspeita.

Criado em 2019, no primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro (PL), o orçamento secreto – ou “emenda do relator” – é um tipo específico de emenda parlamentar. O volume de recursos é bilionário. Para 2023, por exemplo, a peça orçamentária que o governo – ou seja, Bolsonaro – encaminhou ao Congresso prevê R$ 19,4 bilhões de orçamento secreto.

Nas emendas convencionais, é possível identificar o autor e a finalidade da proposta, bem como acompanhar a execução. Saber qual deputado foi o responsável pelo pedido ajuda a dividir responsabilidades. Além disso, o modelo de liberação e aplicação de recursos, mais transparente, facilita a fiscalização por órgãos de controle.

Porém, na “emenda do relator”, prevalece o sigilo de informações. O deputado que se torna relator da lei orçamentária é, em tese, o único responsável por definir a partilha do orçamento secreto. Não se sabe qual parlamentar solicitou esta ou aquela verba. O destino do dinheiro público tampouco é transparente, dando margem para desvios de verbas e esquemas de corrupção.

Em entrevista à BBC Brasil, Bruno Brandão, diretor executivo da Transparência Internacional Brasil, definiu o orçamento secreto como o “maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro no País”. Como a emenda do relator foi oficializada, criou-se um “verniz legal” para encobrir a “prática corrupta”.

Foi o que houve com os irmãos Rodrigues de Lima, presos sob a acusação de fraudar planilhas do SUS (Sistema Único de Saúde) para receber mais verbas orçamentárias. Eles inflavam a quantidade de procedimentos médicos (atendimentos e consulta) em diversos municípios maranhenses para turbinar a emenda. Renato solicitou junto à Câmara Federal cerca de R$ 69 milhões de recursos para realizar esses falsos procedimentos.

Como o recurso foi oriundo do orçamento secreto, o vínculo de Renato com essa verba é público, mas a identidade do deputado que “apadrinhou” sua proposta permanece em sigilo, porque não fica registrada no sistema. Tampouco o itinerário desse dinheiro público pode ser fiscalizado de modo eficiente.

As prisões desta sexta desmoralizam o orçamento secreto na medida em que evidenciam a vocação corruptora dessa emenda parlamentar. Bolsonaro, ciente de que o escândalo pode – e deve – respingar em sua candidatura à reeleição, foi para a defensiva. “Se dá um problema na ponta da linha, como deu hoje pelo que estou sabendo, estão botando na minha conta”, choramingou o presidente durante uma live com influenciadores digitais. “Quero saber qual parlamentar que mandou recurso para lá. Quem tem que dizer isso? É o relator do Orçamento.”

Esse raciocínio não se sustenta. O uso do orçamento secreto foi um dos principais meios para Bolsonaro cooptar partidos do Centrão para sua base de apoio. Até hoje, o governo já empenhou R$ 45 bilhões em emendas do relator – o que influenciou no resultado das eleições 2020 para a Câmara e o Senado. Segundo a revista Piauí, “os principais partidos do Centrão (PL, Republicanos, PTB, União Brasil, PSC, PP e Patriota) contaram com mais de R$ 6,2 bilhões de recursos das emendas de relator – uma bolada que ajudou a garantir a reeleição de pelo menos 140 parlamentares”.”

Se o presidente desejasse ao menos coibir essa modalidade de emenda, bastaria reduzir a previsão de recursos na peça orçamentária – uma atribuição do Executivo. Para bancar essa promiscuidade, Bolsonaro retira recursos de áreas como Ciência&Tecnologia, Educação e Saúde. Projetos de grande relevância social, como o Farmácia Popular, estão praticamente sem verba garantida para o ano que vem.

“O maior escândalo de corrupção de todos os tempos atende pelo nome de bolsolão”, denunciou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “São bilhões de reais retirados da saúde, educação, cultura e ciência e tecnologia para comprar apoio. E tudo secreto, por baixo dos panos.” Na opinião de Jandira, “se as investigações prosseguirem, muito mais será revelado sobre esse esquema criminoso que retira recursos de políticas importantes para comprar apoio!”.

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