Bolsonaro sofre desgaste sem precedentes entre evangélicos e católicos

Segundo turno da eleição pôs em xeque a credibilidade de Bolsonaro junto a um dos segmentos em que o presidente e candidato à reeleição parecia trafegar com mais desenvoltura: o eleitor religioso

“Hoje não é dia de pedir votos. É dia de pedir bênçãos.” A admoestação do padre Camilo Júnior, em plena missa de celebração à padroeira do Brasil, no Santuário Nacional de Aparecida, na quarta-feira (12), mostra os ruídos que o presidente Jair Bolsonaro tem provocado nos meios religiosos.

O tom crítico não se limitou ao padre. Entre quarta e quinta-feira (13), a Quaest Consultoria fez um levantamento de postagens nas redes sociais que associam Bolsonaro e religião. Conforme a pesquisa, 44% das menções foram negativas para o presidente, 37% foram neutras e somente 19% foram positivas. Levantamento similar feito pelo PT, restrito ao dia 12, apontou 76% de menções negativas e 10% de positivas. Os números foram divulgados pelo Blog do Valdo Cruz, no G1.

Diretor da Quaest, Felipe Nunes diz que Bolsonaro deixou o feriado de Nossa Senhora Aparecida com a imagem arranhada. Na visão de quem criticou nas redes a agenda do presidente em 12 de outubro, ele “apenas tira proveito político da religião, mas não respeita a fé e não age como um bom cristão”.

O fato é que o segundo turno da eleição pôs em xeque a credibilidade de Bolsonaro junto a um dos segmentos em que o presidente e candidato à reeleição parecia trafegar com mais desenvoltura: o eleitor religioso. Após polêmicas em série, Bolsonaro se vê às voltas com um desgaste sem precedentes entre evangélicos e católicos.

O estopim foi a divulgação de um vídeo de 2017 em que Bolsonaro discursa em uma loja maçônica – algo constrangedor (para dizer o mínimo) aos olhos de lideranças evangélicas. O pastor André Valadão foi um dos primeiros apoiadores do presidente a manifestar desconforto com a cena. De acordo com a pesquisa Ipec divulgada na segunda-feira (10), 63% dos eleitores evangélicos declaram voto em Bolsonaro, enquanto 31% preferem o ex-presidente Lula.

Como resumiu a jornalista Carol Castro, do site The Intercept Brasil, “a cena pegou em cheio uma parcela de cristãos que apoiam o presidente. Para os católicos, a maçonaria não é compatível com sua fé. E, para os evangélicos, remete ao satanismo”. Nas redes sociais, pipocaram posts em que evangélicos afirmavam que não votariam mais em Bolsonaro.

A crise se agravou no sábado (8), quando Bolsonaro foi ao Círio de Nazaré, no Pará, sem ser convidado e à revelia da organização. A Igreja Católica reagiu. Na terça (11), sem mencionar Bolsonaro diretamente, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) declarou, em nota, lamentar “a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos”.

Já no Dia de Nossa Senhora da Aparecida, o presidente levou uma comitiva de políticos e uma horda de apoiadores ao tradicional evento religioso no interior paulista. Sua presença causou tumulto em plena missa e atrapalhou a leitura da homilia.

Do lado de fora da basílica, bolsonaristas consumiam bebida alcoolica, proferiam discursos de ódio e palavras-de-ordem eleitoreiras, ameaçavam fiéis com camisas vermelhas e provocavam até representantes da Igreja. Uma equipe da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, foi hostilizada.

À imprensa, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes – que chegou a ser vaiado por bolsonaristas –, denunciou a hipocrisia do presidente. “Não posso julgar as pessoas, mas precisamos ter uma identidade religiosa: ou somos evangélicos, ou somos católicos”, disparou. “Nós precisamos ser fiéis à nossa identidade católica. Mas, seja qual for a intenção, (Bolsonaro) será bem recebido porque é o nosso presidente – e é por isso que nós o acolhemos.”

Líder em intenção de votos entre os evangélicos, Bolsonaro concluiu corretamente que precisava buscar com mais assertividade o eleitor católico. Os números da pesquisa Ipec indicam que a diferença a favor de Lula é expressiva: 60% dos católicos declaram voto no ex-presidente, e 34%, em Bolsonaro.

“Bolsonaro é bem-sucedido quando produz aquela foto diante de uma multidão abraçando os valores cristãos. Mas é muito malsucedido se a gente avalia a circulação de imagens que o apresenta como um candidato desrespeitoso em relação à religião”, analisa o antropólogo Rodrigo Toniol, integrante do Comitê de Pesquisa de Sociologia da Religião. A seu ver, o presidente chega a passar a imagem de fariseu – “aquele que pretende ser religioso, mas que no fundo não é”.

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